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CERTIDÃO DE ÓBITO FALSA gera extinção da punibilidade? (Gustavo Alves)

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25/02/2013 05h31

CERTIDÃO DE ÓBITO FALSA gera extinção da punibilidade?

E no caso de já ter ocorrido o trânsito em julgado da sentença, poderia haver revisão criminal? Aplica-se, no caso, a revisão pro societate?

Gustavo Nogueira Alves

CERTIDÃO DE ÓBITO FALSA gera extinção da punibilidade (CP, art. 107, inc. I)? E no caso de já ter ocorrido o trânsito em julgado da sentença, poderia haver revisão criminal? Aplica-se, no caso, a revisão pro societate?

Há dois posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais:

Um defende que a declaração de extinção da punibilidade, como decisão terminativa que é, coloca fim ao processo definitivamente. Em qualquer situação, não poderia ser reaberto. Seria revisão pro societate, o que é vedado em processo penal.

Outro sustenta que a questão é resolvida no plano da (in)existência. Sendo o fato jurídico stricto sensu (morte) inexistente, o Direito não poderia validá-lo. É a teoria dos planos da existência, validade e eficácia de Pontes de Miranda, a qual, entendo, aplica-se a todos os ramos do direito.

Assim a sentença com o trânsito em julgado deve ser rescindida, deve ser declarada nula, ou melhor, inexistente, não produzindo, assim, seus efeitos, e a sentença não transitaria em julgado, pois baseada em uma prova falsa (certidão falsa), baseada em uma premissa que não existiu (morte do agente que praticou o fato criminoso), que, se existente, extinguiria a punibilidade, em decorrência do que prevê o art. 107, inc. I, do Código Penal.

Os atos, fatos e negócios jurídicos inexistentes são aqueles aos quais faltam pressupostos de existência, não chegando a existir no mundo fenomênico e, ipso factu, a se configurar na esfera do Direito.

No caso versado, a morte foi inexistente, e, por sua vez, a declaração do óbito, baseou-se em uma premissa falsa. Assim, a certidão falsa de óbito perde o seu substrato fático e jurídico.

A certidão falsa é uma prova documental ilícita de um acontecimento que não existiu. Inclusive, configura-se como ilícitos penais: falsidade ideológica ou falsidade documental.

A morte é um fato jurídico stricto sensu (segundo a classificação mais utilizada pela maioria da doutrina civilista).

Os fatos, atos e negócios jurídicos e os planos da existência, validade e eficácia são, originariamente, conceitos do Direito Civil. Por seu turno, o Direito Penal não permite o emprego da analogia e interpretação analógica.

Penso que podemos utilizar o art. 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (antiga Lei de Introdução ao Código Civil) que assevera:

“Art. 4º Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.”

Entendo que a teoria das nulidades, o fato jurídico stricto sensu (morte), a teoria dos planos da existência, validade e eficácia, e sua correlação, trazem em seu espírito, princípios gerais do direito, que se aplicam ao Direito Penal, em que pese ser regido pelo princípio da legalidade (que, também, trata-se de um princípio geral do direito).

Segundo a teoria dos princípios (elaborada inicialmente por Robert Alexy e posteriormente por Ronald Dworkin), os juízes exegetas deveriam interpretar uma lei de forma a compatibilizá-la aos princípios de justiça e a realidade social.

Concluo que, no caso, o princípio da verdade material ou real deve ser utilizado, mesmo que o processo penal não permita revisão pro societate, pois, no caso, a extinção da punibilidade, baseou-se em uma premissa falsa, um óbito inexistente. O acontecimento inexistente (o fato jurídico strictu sensu: morte) não merece ser acolhido e prestigiado pelo Direito, pois trata-se de um não fato, que não se materializou no mundo fenomênico.

De mais a mais, vale, novamente, a adoção de outro princípio geral do Direito: ninguém pode valer-se da própria torpeza (nemo auditur propriam turpitudinem allegans).

Gustavo Nogueira Alves – Analista Judiciário – Apoio Especializado – Especialidade: Direito do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo

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