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De ‘caretas’ a ‘nerds’ (Bruno Peron Loureiro)

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13/04/2015 08h22

De ‘caretas’ a ‘nerds’

Nos ambientes educacionais e profissionais do Brasil, há tentativas de retardar o mais eficiente, desmoralizar o mais virtuoso, e estupidificar o mais inteligente.

Bruno Peron Loureiro

“Nesta terra, em que quase tudo dá, importamos tudo: das modas de Paris – ideias e vestidos, – ao cabo de vassoura e ao palito. Transplantados, são quase nulos os focos de reação intelectual e artística.” (Paulo Prado.
Retrato do Brasil.)

Nos ambientes educacionais e profissionais do Brasil, há tentativas de retardar o mais eficiente, desmoralizar o mais virtuoso, e estupidificar o mais inteligente. Não é à toa que o país não progride, e temos a impressão de que há tantos desajustes que ele se divide. A disputa de ambições, paixões e vaidades é egoísta, meio-cidadã e
antipatriótica.

Gostaria de comentar, neste texto, alguns exemplos que iluminam o argumento acima e de sugerir ao leitor um caminho empírico para dissipar os problemas que acuso. O primeiro comentário que faço é sobre por que é
tão difícil ser diferente no Brasil. Brasileiros são intolerantes com o menor desvio da média dos demais habitantes do mesmo país; são assim em relação aos mais gordos, mais ricos, mais tagarelas, mais inteligentes, entre outros. E até com os que são menos tudo isso. É verdade que nenhum brasileiro gosta de sentir que ficou para trás, principalmente os que pouco se esforçam para progredir.

As pessoas que se esforçam, disciplinam suas atividades e corrigem suas inclinações negativas têm menos com que se preocupar porque, cedo ou tarde, seu mérito resultará em desfrute de maior êxito e recompensa que seus colegas acomodados e invejosos. Logo, é difícil de entender o desprezo ao “careta” e a condenação do mérito.

O “careta” é aquele que se exime de riscos iminentes porque recebeu a instrução prévia de assim o fazer para preservar sua integridade. Ele evita bebidas alcoólicas quando todo o grupo enche a cara, passa a vez numa roda de amigos que fumam maconha, dá opinião contrária aos colegas que tramam maldades contra alguém. O“careta”chega a ser um peixe fora d’água, que nada no ambiente errado.

O mérito, por sua vez, é outra questão difícil de avaliar através de mentes ideologizadas, levianas e preconceituosas. Uma é a que diz que nem todos têm oportunidades de mostrar seu mérito e que ascensão social é praticamente impossível no Brasil. De fato, há uma relação que se estabelece entre mérito e nascimento em berço de ouro. Mas, neste caso, eu já não falaria tanto de mérito quanto de reprodução das condições socioeconômicas de famílias abastadas.

No entanto, afirmo que o mérito pode estar em todo lugar. Qualquer pessoa pode fazer o mérito valer com seus esforços, sua disciplina e seus objetivos. Não compartilho, portanto, da visão condenadora de riquezas e de ricos
no Brasil. Ouve-se a generalização leviana de que todo rico é acomodado, espoliador de trabalhadores e injusto com os pobres, mas essa visão descuida o desafio do Brasil de produzir riquezas (empreendedores privados) e não apenas consumi-las (funcionários públicos).

Estou de acordo, no entanto, com que há ricos que são moralmente devedores e socialmente espoliadores, assim como há os que são também devedores e espoliadores, mas possuem níveis de renda baixos. É estranho que a riqueza seja uma condenação no Brasil. Neste país, esperamos soluções prodigiosas do Estado, mas dia após dia vemos que as pessoas em quem depositamos nossa confiança nos dão rasteiras e engordam seus cofres particulares.

Por isso, estou cada vez mais ciente de que o Maquinário no Brasil é instrumento de engano, exploração e opressão contra os trabalhadores no Brasil, sejam estes ricos ou pobres. Muitos acreditaram (inclusive eu, quando era mais ingênuo) na capacidade do Maquinário de ordenar o país e garantir o desenvolvimento de toda sociedade. Os fatos têm desmentido tal crença e mostrado o clã de privilegiados sugadores de recursos públicos que ele sustenta.

Minha opinião, porém, está bem distante de propor o fim do Estado, mas uma reforma geral em seu corpo administrativo, na qualidade moral de seus dirigentes e em suas políticas para que ele se consolide como regulador e reparador de injustiças sociais no Brasil.

É com essa preocupação que persisto no ponto de que a educação de nossa gente é coletivamente desmerecida e homogeneamente deteriorada no Brasil. Veja os obstáculos mentais que sofrem estudantes que se destacam dos demais em ambientes escolares por causa de sua inteligência, seus feitos, seu mérito. Esses
estudantes mudam sua condição de “caretas” a “nerds” e são discriminados e zombados por outros colegas de turma.

Leitor, pondere que as paixões humanas reclinam-se sobre o atraso.

É preciso, portanto, educar-nos para que nos voltemos ao progresso.

Bruno Peron Loureiro é mestre em Estudos Latino-americanos pela FFyL/UNAM (Universidad Nacional Autónoma de México)

Contato: l7@brunoperon.com.br

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