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Nota Sobre o Art. 1º do Novo CPC (Carlos Eduardo Rios do Amaral)

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16/01/2016 07h51

Nota Sobre o Art. 1º do Novo CPC

É que o Novo CPC será o primeiro Diploma processual do Brasil criado após a promulgação da Constituição Federal de 1988.

Carlos Eduardo Rios do Amaral

Apertem os cintos! No próximo dia 18 de Março deste Ano
(2016) entrará em vigor o Novo Código de Processo Civil brasileiro, com os seus
1.072 artigos, trazendo consigo grandes inovações e inéditos institutos
jurídicos.

Pois bem. Nestas brevíssimas notas faço uma advertência ao
apressado leitor do Novo Código, sobre o seu Art. 1º. Talvez esse dispositivo
conduza à maior transformação que se espera da nova ordem processual a ser
instalada pelo Novo CPC.

Antes de tudo, para se compreender o inestimável Art. 1º do
Novo CPC, importante não esquecermos: o Novo Código de Processo Civil é um
Código de Processo Civil! Sim, uma aparente lição mais que banal ou redundante.
Mas que se olvidada trará grandes confusões à melhor exegese do Art. 1º do
NCPC.

É que o Novo CPC será o primeiro Diploma processual do Brasil
criado após a promulgação da Constituição Federal de 1988. Ou seja, nosso ainda
vigente CPC de 1973 ainda sobrevive sob uma falsa ou quase nenhuma recepção
frente à atual Constituição Cidadã.

Tudo que aprendemos e sabemos de Direito Constitucional desde
1988 até o presente é nada mais e nada menos do que a sua aplicação no plano
substancial, seu uso frente às relações jurídicas de direito material.

Jamais o Direito Constitucional moderno fora parâmetro maior
ou conveniente para a aplicabilidade do velho Código de Processo Civil de 1973.
Parece que o CPC ainda vigente padeça de alguma imunidade ou indiferença frente
à nova ordem constitucional instalada a partir de 1988.

De modo contrário, curiosamente, o muito mais velho revogado Código
Civil de 1916 fora duramente rechaçado pelas inovações trazidas pela
Constituição de 1988. O que confirma a tradição brasileira pela sua preferência
pelo Direito Constitucional sob a ótica eminentemente substancial.

Talvez seja essa a razão de muitas críticas – indevidas! –,
inclusive de renomados juristas, acerca do Art. 1º do Novo CPC. Ouve-se muito
que tal dispositivo seria como “chover no molhado” ao prescrever sua submissão
ao texto da Constituição Federal. Ainda, desabafam alguns dizendo: “até parece
que o Novo CPC poderia dizer algo em sentido contrário, divorciando-se da
Constituição!”.

Tal raciocínio talvez possa ser explicado, como dito, pelo
desprestígio do Direito Constitucional em seu sentido instrumental no Brasil.
Afinal, tanto o vigente CPC, assim como o CPP, foram diplomas redigidos Décadas
antes da instalação da Assembleia Nacional Constituinte de 1987.

E o Art. 1º do Novo CPC está aí para ser um divisor de águas.
Sua vigência a partir de 18 de Março de 2016 pretende inaugurar na cultura
jurídica brasileira o verdadeiro sentido do Direito Constitucional Processual,
em toda a sua amplitude e alcance, à luz da Constituição de 1988.

Em verdade, o Art. 1º do Novo CPC veio tarde, muito tarde,
mas é bem-vindo. Bem-vindo pela necessidade imperiosa e inadiável de se
consagrar no plano processual os direitos e garantias constitucionais sob o seu
prisma instrumental. Banindo os ideais, ou nenhum ideal, do velho CPC frente às
conquistas humanísticas e democráticas atingidas pela promulgação da
Constituição de 1988.

Não determina o Art. 1º do Novo CPC aos juízes que “os
valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República
Federativa do Brasil” sejam sopesados e ministrados às relações jurídicas de
direito material submetidas à sua apreciação. Isso já o faz e é papel do Código
Civil de 2002 e demais diplomas substanciais (Código Tributário, de Trânsito,
do Consumidor etc).

O que bem prescreve o Art. 1º do Novo CPC é que o processo
civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as
normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do
Brasil.

Vamos a um breve exemplo. O juiz ao despachar uma petição
inicial, versando sobre ação de alimentos, tendo como autora uma criança de
quatro anos portadora de microcefalia, percebe que não há pedido de deferimento
de tutela antecipatória liminar. Indaga-se: poderia o magistrado deferir a
tutela liminar de ofício?

Sob a ótica do ainda vigente CPC de 1973 posso imaginar até
alguns expertos dizerem que, acaso concedida a tutela antecipatória de ofício
no exemplo acima, esse juiz deveria ser representado na Corregedoria ou até
mesmo no CNJ, exigindo-se sua punição exemplar. Não duvido aparecerem alguns
poucos mais exaltados exigindo sua aposentadoria compulsória com vencimentos
proporcionais.

Até mesmo a determinação judicial, de ofício, para que o
autor emende sua inicial, formulando seu pedido de liminar, poderia importar na
excomunhão do subscritor do r. Despacho.

Pois é. É contra esse propósito, ou melhor, contra esse
despropósito, contra essa falta de humanidade e iniquidade que se propõe o Art.
1º do Novo CPC. Esse dispositivo finalmente permitirá que o juiz seja um sensor
do postulado da dignidade da pessoa humana e demais valores inerentes ao
cidadão e ao Estado Democrático de Direito dentro do processo.

O Art. 1º do Novo CPC fará que o juiz deixe de ser um robô,
um autômato. Tal dispositivo proclamará a alforria dos juízes frente à etiqueta
da inércia e da debilidade processuais desejada pelo CPC de 1973.

O Novo CPC, assim, pelo seu Art. 1º, determina que o processo
civil brasileiro seja ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores
e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa
do Brasil.

Destarte, voltando ao exemplo acima. Claro que o deferimento de
ofício de medida liminar antecipatória de alimentos a uma criança de quatro anos
portadora de microcefalia atende ao Princípio da Absoluta Prioridade ou
Superior Interesse, em seu sentido processual, inscrito no Art. 227 da
Constituição.

O contrário, permitir a morte ou a eterna desgraça da pobre
jurisdicionada acima é que seria negar vigência aos valores e as normas
fundamentais estabelecidos na Constituição da República. Ignorar o direito à
vida é que seria o pecado imperdoável do magistrado.

Claro, o direito ao contraditório e à ampla defesa por parte
do devedor de alimentos é indiscutível. Inclusive seu direito ao duplo, triplo
grau de jurisdição. E é inclusive o que prescreve o próprio Art. 1º do Novo
CPC.

Não serão poucas as quebras de paradigmas a serem
estabelecidas pelo Art. 1º do Novo CPC. Perceba-se que no exemplo dado o
Princípio da Absoluta Prioridade ou Superior Interesse, até então apenas
considerados no aspecto substancial, ganham nova coloração sob a roupagem
instrumental no processo civil moderno.

E isso acontecerá muito com os demais postulados, princípios,
direitos e garantias fundamentais depositados na Constituição Federal, pensados
e repensados até hoje apenas e tão-somente sob uma visão puramente material.

Vamos a outro exemplo. O Congresso Nacional cochila na sua
missão de introduzir em nosso ordenamento jurídico o instituto do “depoimento
sem dano”, no que se refere à oitiva judicial de crianças vítimas de violência
ou crueldade de qualquer natureza. Enquanto isso, a pobre e indefesa vítima
menor fica adstrita a uma nova sessão de seu próprio pesadelo quando convocada
para depor em juízo.

O Art. 1º do Novo CPC permitirá, se assim desejar o juiz à
luz dos princípios constitucionais menoristas, que o relato da criança ofendida
ou molestada seja confeccionado unicamente via equipe multidisciplinar formada
por psicólogos, assistentes sociais e demais profissionais especializados a
reduzir a termo, em relatório oficial, a dor e o sofrimento da pequena vítima,
eximindo-a do constrangimento de um perverso e caviloso quiz show na sala de audiência. Tudo em reverência à dignidade da pessoa humana em fase de desenvolvimento aplicada em seu viés instrumental.

Como se vê, ainda nem começamos a engatinhar sobre a
aplicabilidade do Direito Constitucional aplicado ao processo civil. Passados
quase vinte e oito anos de vigência da Constituição de 1988 volta e meia ainda se
extrai de seu texto regras materiais inéditas ou que inovam nas relações
jurídicas de direito material.

Todo esse Século XXI será marcado pela nossa aprendizagem
geral do País em torno da aplicabilidade dos “valores e as normas fundamentais”
estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil ao processo
civil.

Perceba-se a sutileza e amplitude do legislador ordinário.
Ele vai muito além da literalidade da Constituição. O Art. 1º do Novo CPC
também fala de “valores estabelecidos na Constituição da República Federativa
do Brasil”. “Valores”?!! Quanto amplíssimo e infinito o é essa expressão.

Adeus, CPC de 1973! Bem-vindo, Novo CPC!

Carlos Eduardo Rios do Amaral é Defensor Público no Estado do
Espírito Santo

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