Início Notícias Trump, Xi Jinping e a Armadilha de Tucídides

Trump, Xi Jinping e a Armadilha de Tucídides

0

07/04/2017 06h31

Será o primeiro encontro entre os presidentes das duas maiores economias do mundo.

Marcos Cordeiro Pires e Thais Caroline Lacerda Mattos

O mundo observa com grande interesse a reunião entre o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e o presidente da China, Xi Jinping, que ocorrerá nos dias 06 e 07 de abril, no resort de Mar-a-Lago, no estado norte-americano da Florida. Será o primeiro encontro entre os presidentes das duas maiores economias do mundo.

A expectativa maior gira em torno de saber como serão contornadas as grandes divergências acumuladas entre os dois países e que foram aprofundadas com a eleição de Trump, em novembro de 2016. Desde então, focos de atrito tem surgido com relação ao princípio de “uma única China”, colocado em xeque com o telefonema de felicitação a Trump por ocasião de sua vitória da parte da presidenta de Taiwan, Tsai Ing-wen, algo que irritou profundamente Pequim. Outra pendência diz respeito ao conflito na Península da Coreia, marcado pelo início da instalação na Coreia do Sul de um “escudo antimísseis”, o Terminal High Altitude Area Defense (THAAD), pelos Estados Unidos, para supostamente proteger o Japão e a Coreia do Sul de um ataque de Pyongyang. Tanto China quanto a Rússia já se manifestaram duramente contra a instalação desse dispositivo que ameaça o equilíbrio bélico na Ásia Oriental.

Do ponto de vista econômico, conta também a ameaça de Trump de sobretaxar as importações da China com uma alíquota de 45% ad valorem para supostamente compensar uma eventual manipulação das taxas de câmbio chinesas e os impactos negativos do comércio com a China sobre o mercado de trabalho dos EUA. Por conta do discurso protecionista de Trump, Xi Jinping tem assumido o papel de defensor da globalização e do livre comércio em foros internacionais, papel antes desempenhado por Washington.

A esses problemas novos se somam os antigos, relacionados à disputa por influência na região da Ásia-Pacífico. Do lado americano, destaca-se a estratégia de “pivô” para a Ásia, desenvolvida em 2010 pela administração Obama, que procura contrabalançar a crescente influência da China naquela região. Da parte chinesa, destaca-se a reafirmação de suas históricas demandas territoriais no Mar do Sul da China e no arquipélago Senkako (ou Diaoyu, na perspectiva chinesa). Nesse aspecto, a construção de ilhas artificiais e a instalação de equipamentos militares têm preocupado o governo norte-americano, o qual responde com manobras militares em águas reivindicadas pela China.

A reunião bilateral está envolta de incertezas, uma vez que o sentimento anti-China é muito forte entre os principais arquitetos das políticas domésticas e internacionais do governo Trump. Stephen Bannon e Peter Navarro exercem grande influência nesse sentido. Em declarações à imprensa, antes da posse de Trump, Bannon previa a eclosão de uma guerra com a China dentro de 5 ou 10 anos. Já Navarro, conselheiro para assuntos comerciais, escreveu dois livros com forte retórica anti-China e defendendo políticas protecionistas, ideias que estão na base da divisa “America First”, que tanto tem preocupado os defensores do livre comércio.

Vale destacar que na perspectiva chinesa, o encontro almeja normalizar as relações com os Estados Unidos e estabelecer o “Novo Modelo de Relacionamento entre Grandes Potências”, no qual os principais países do Mundo buscariam respeitar as tradicionais áreas de influência e também uma maior concertação nos temas pertinentes à governança global. Em última instância, a China busca evitar a chamada “Armadilha de Tucídides”, uma alusão a certa inevitabilidade de um conflito militar entre a potência estabelecida e a potência ascendente, eventos que vêm se sucedendo desde o século XVI, tal como analisou Graham Allison, já que em 16 experiências de confrontos por hegemonia desde então, 12 desaguaram em guerra.

O assunto mais premente na reunião será a crise decorrente do aumento da capacidade militar da Coreia do Norte, visto que os norte-americanos estão pressionando o governo chinês para refrear o ímpeto norte-coreano, deixando subentendido que atuariam isoladamente para conter o governo de Pyongyang.

O melhor desfecho para a reunião entre Trump e Xi Jinping é que ambos os líderes adotem uma postura pragmática para o equacionamento de seus diferentes pontos de vista. Uma piora no nível de relacionamento sino-americano seria desastrosa não só para a lenta recuperação da economia, mas também para a paz mundial, ainda mais num momento em que as tensões políticas e sociais aumentam em quase todos os continentes.

Thais Caroline Lacerda Mattos é doutoranda em Ciências Sociais, na Linha de Relações Internacionais da Unesp de Marília e especialista nas relações China-Estados Unidos.

Colaboração de Marcos Cordeiro Pires é professor do Departamento de Ciências Políticas e Econômicas da Unesp de Marília.

Sair da versão mobile