Pandemia agravou severamente os índices de abandono e de evasão na rede escolar pública. Localizar crianças e adolescentes fora da escola e reintegrá-los ao sistema de ensino é dever moral de governos e da sociedade.
O Governo de Mato Grosso do Sul e o Ministério Público Estadual (MPMS) assinaram, no último dia 7, termo de cooperação para implementar no estado o Sistema Integrado de Informações e Notificação de Busca Ativa Escolar, iniciativa da UNICEF destinada a apoiar o poder público na identificação de crianças e adolescentes que estejam fora da escola, ajudando-os a voltar às salas de aula e assegurando condições para que ali permaneçam e aprendam.
Além de oportuna, a iniciativa é providencial, diante dos graves reflexos da prolongada pandemia sobre os índices de abandono e de evasão de crianças e adolescentes da rede pública de ensino nos últimos dois anos no Brasil.
Os números são deveras muito preocupantes. Estudo da própria UNICEF com parceiros nacionais apontou que, em 2020, mais de cinco milhões de crianças, adolescentes e jovens brasileiros não tiveram acesso à educação, número semelhante ao registrado no início dos anos 2000. Ou seja, um dramático retrocesso de duas décadas.
O quadro é ainda mais sombrio quando se sabe que 40% desses cinco milhões eram crianças de seis a dez anos, etapa em que a escolarização estava quase universalizada antes da Covid-19. O que significa que, em consequência da pandemia, em torno de dois milhões de crianças tiveram impedido seu acesso à educação – e ao futuro – naquele momento.
E os números relativos ao ano passado não são menos alarmantes. O Censo Escolar, divulgado no último dia de janeiro pelo Inep – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – revela que o número de matrículas na educação infantil caiu 7,3% entre 2019 e 2021, em consequência da pandemia.
Significa que 653.499 crianças de até cinco anos deixaram a escola nesse período, quando o índice de matrículas em creches caiu 9%. Não por acaso, a baixa mais marcante foi registrada em creches e escolas privadas (21,6%) ante 2,3% na rede pública. Com a queda brusca da renda familiar, acarretada pelas contingências da pandemia, pais foram obrigados a tirar seus filhos do ensino privado. Deslocando, naturalmente, a pressão por maior número de vagas sobre o sistema público de educação.
Tão difíceis circunstâncias reforçam ainda mais o caráter providencial e a urgência da iniciativa conjunta do Governo e do Ministério Público de Mato Grosso do Sul para mobilizar todos os esforços para atrair talvez milhares de crianças e adolescentes que estão sob o risco de ficar fora da escola em nosso estado.
Como observa Solange Feitosa Reis, coordenadora de Pesquisa e Avaliação do Cenpec (Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária), quando as taxas de abandono e evasão escolar sobem drasticamente “temos de dar maior ênfase à política de busca ativa, pois tivemos um retrocesso significativo.”
Para aquela especialista, como o fenômeno da exclusão escolar é multifacetado, seu enfrentamento exige articulação intersetorial que mobilize diferentes áreas do governo, como a Educação, a Assistência Social e a Saúde, além da participação efetiva da sociedade organizada.
Com o acordo de cooperação firmado entre o Executivo estadual e o Ministério Público, Mato Grosso do Sul transcende a referida e indispensável mobilização intersetorial – que se dá no âmbito interno do governo – ao construir um pacto interinstitucional em favor da efetivação de uma política pública da importância e da urgência da busca ativa escolar.
Às vésperas do início do ano letivo, e com a pandemia de Covid-19 ainda presente, a articulação entre as diversas instâncias do poder público e a sociedade organizada, para buscar que todas as crianças e todos adolescentes estejam na escola, representa não só um esforço conjunto para o cumprimento de uma garantia constitucional que lhes é assegurada, mas o resgate de um dever moral de todos os cidadãos conscientes.
Cada criança, adolescente ou jovem fora da escola significa o comprometimento de uma parte de nosso futuro como sociedade desenvolvida, como Nação enfim.
Por Iran Coelho das Neves – Presidente do Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso do Sul