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Gonzaguinha representava os anseios da sociedade?

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Sou do tempo em que a gente acampava em Porto de Galinhas sem medo de ser assaltado; do tempo em que a gente paquerava as meninas sem receio de ser acusado de assédio; sou do tempo em que a gente ficava em pé quando o professor entrava na sala de aula; do tempo em que se cantava o Hino Nacional nas escolas… Mas também sou da geração Coca-Cola que curtiu bastante as canções de Gonzaguinha, de Chico Buarque, de Fagner, de Djavan, de Alceu…

A música naquela época era engajada, e nesse contexto Gonzaguinha se destacava. Canções como: Comportamento Geral, Vamos à luta, Recado, Amanhã ou depois, dentre outras, faziam sucesso dado o teor crítico ao regime militar. Mas será que essas músicas representavam mesmo os anseios da sociedade? Em que pese a grande mídia e a classe artística estivessem insatisfeitas, o fato é que oito em cada dez brasileiros aprovavam o governo militar. Assim, chega-se a conclusão de que elas representavam os desejos de uma minoria que lutava pelos ideais esquerdistas, como se essa minoria soubesse o que é o melhor para todos. Eles se achavam os justiceiros, os iluminados, e desejavam avidamente fazer a cabeça do povo, para que aqueles ideais se tornassem hegemônicos. Gonzaguinha, por exemplo, em Comportamento geral, critica o povo pela acomodação. Mas como lutar contra algo em que se está satisfeito? É bom lembrar que a popularidade de Médici alcançou 82%.

A população em geral vivia bem, não era um sonho; mas muito longe de ser o pesadelo narrado pelos livros de história e cantado pelos músicos em suas canções. Para se ter uma ideia, não conheço uma só pessoa que tenha sido incomodada pelos militares. É claro que, para a turminha comunista que se excedia nas críticas, vinha a mão pesada do regime. Mas o fato é que, enquanto os militares se preocupavam com os guerrilheiros, a esquerda tomava conta das universidades, do meio artístico e da mídia. Esse pessoal vendia um sonho dourado idealizado por uma casta que se achava – e ainda se acha – superior e que, portanto, era ela quem deveria escolher o destino do Brasil e da humanidade.  Essa estratégia de se lutar na via cultural deu certo, e era de se esperar tal êxito, porque quem domina o imaginário do povo, domina a mente das pessoas e, consequentemente, domina a conduta política do país.  Assim, nós, os jovens da minha geração, éramos praticamente todos de esquerda; entramos na onda e fizemos depois, com orgulho, o movimento das Diretas Já. Foi uma alegria geral quando o regime militar saiu de cena.

Mas qual foi a mudança ocorrida com a saída dos militares? Para os artistas engajados (sobretudo posteriormente com a criação da Lei Rouanet), para os intelectuais das universidades (bem remunerados, premiados com mestrados e doutorados no exterior, livres para militar em sala de aula), para a mídia (que encheu os bolsos de dinheiro, sobretudo com os contratos de propagandas governamentais) e para os políticos de esquerda foi uma farra! Um verdadeiro conluio onde todos os envolvidos se deram bem. Esses últimos, com a corrupção, além de fortalecerem os partidos, ficaram ricos. No entanto, para o povão sobraram apenas as migalhas – uma bolsa família que, pelo menos, dá para não morrer de fome. Aí, parafraseando Gonzaguinha, eu é que canto: “Você deve estampar sempre um ar de alegria, e dizer: sempre muito obrigado,  e tudo tem melhorado, você merece, você merece, você merece um diploma de bem comportado”.

Cabe ainda acrescentar que as músicas engajadas viraram moda na época, uma verdadeira febre. Além de elas fazerem a cabeça da rapaziada, renderam fortunas para as gravadoras e cantores, uma indústria cultural altamente lucrativa. Muitas dessas canções de protesto, porém, não possuíam beleza. Priorizando o engajamento, os músicos relegaram a segundo plano a dimensão estética das canções, a qual é fundamental na música e nas artes em geral, como bem disse Gilberto Vasconcellos em seu livro Música popular: de olho na fresta.

Enfim, esse esquema todo resultou no que vimos, tempos depois, nos governos FHC, Lula e Dilma… E a história, infelizmente, se repete; pois esse grupo que, agora, demoniza o governo Bolsonaro e, pasmem!, mentem sem pudor, inclusive,  manchando a imagem do próprio país no exterior (Um absurdo! Um crime de lesa-pátria) é composto também por alguns militantes daquela época e que agora estão velhos e decadentes do ponto de vista artístico. É uma pena que os artistas hoje sejam tão torpes e não tenham sequer um décimo da criatividade dos de outrora. Mas a verdade, queiram ou não, é que hoje o brasileiro comum, principalmente em face da “ditadura’ do judiciário exercida pelo STF, tem muito mais receio de se expressar do que tinha na época do regime militar.

Por fim, apesar de agora as coisas ficarem mais claras (quando constatamos que fomos enganados por essa mesma turma que continua enganando os jovens de hoje), isso não tira a qualidade da obra de Gonzaguinha, a qual não se restringe a canções engajadas. Portanto, creio que o conjunto de sua obra é de muito valor e mereceria ser mais estudada pela intelectualidade, a fim de que não caia no esquecimento. O engajamento era natural, e ele próprio, pelo meio que frequentava – universidade, rodas de artistas, mídia – certamente foi vitimado pela esquerda. No entanto, com a inteligência que possuía, resta saber se o cantor, após toda essa lambança da esquerda, continuaria apoiando o PT ou já teria se curado. Mas isso nunca saberemos, pois Gonzaguinha morreu precocemente. Então, como apreciador de sua obra, prefiro acreditar que ele estaria dando outro Grito de alerta. Pois é, seu Zé! Vida que segue! Vamos à luta! É a vida, meu irmão! É bonita, é bonita e é bonita.

Por Ednaldo Bezerra – Licenciado em Letras pela UFPE

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