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A missão ‘quase’ impossível do BCB

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O desafio do Banco Central do Brasil (BCB) vai além dos problemas derivados da inflação externa, tendo uma relação muito forte com a estrutura da economia brasileira, preparada durante décadas para se resguardar do aumento dos preços e, portanto, estruturada para perenizar choques temporários. Assim, vamos discutir que condições possibilitariam ao BCB manter sua promessa de parar de subir os juros ao nível de 12,75% a.a. na reunião de maio (agendada para o dia 4). 

A missão 'quase' impossível do BCB

Na franquia cinematográfica “Missão Impossível”, a um grupo especial do serviço secreto americano, liderado por Ethan Hunt, são dadas missões consideradas impossíveis que, não sem muito tiro, bomba e correria, no fim se mostraram factíveis de serem concluídas. Pensando na missão do nosso BCB, ela pode não ser considerada impossível, a depender do horizonte que se considere, mas certamente não será fácil. Colocar a meta em 2022 é sim uma “missão impossível”, mas fazê-la convergir em 2023 não seria tão “impossível” assim, desde que se estivesse disposto a incorrer nos custos de fazê-lo. Nos filmes, Ethan Hunt e sua equipe estão sempre prontos a ir ao limite, o que invariavelmente rende boas cenas de ação e grandes bilheterias, mas será que, se o BCB fizer o mesmo, a audiência vai aplaudir o resultado? 

Para começar a discussão, vamos aos fatos. Para uma meta de inflação de 3,25% em 2023, as expectativas para o IPCA no mesmo período, indicaram um número ao redor de 4,00%, e a inflação corrente está em 11,29% no acumulado em 12 meses. Usando uma regra de Taylor simples para a economia brasileira, a conclusão é que os juros deveriam chegar a 15,50% a.a. para que houvesse convergência da inflação para a meta em 2023. Já partindo dos modelos de pequeno porte do BCB, estes teriam que ser elevados até 14,75% a.a. O custo adicional em termos de crescimento seria de algo entre 1,00 p.p. e 1,50 p.p., respectivamente, quando comparado com o cenário de juros a 12,75% a.a. Portanto, a primeira pergunta que vale a pena fazer é: será que o BCB está disposto a incorrer nesse custo? 

Uma discussão infindável entre os economistas é se a melhor estratégia para combater a inflação seria uma política de juros mais agressiva ou mais suave. Os que advogam a favor do primeiro caso baseiam-se no “Princípio de Brainard”: em um ambiente incerto, a decisão ótima de política monetária é ir “tateando no escuro”, ou seja, sem movimentos abruptos. Já os que defendem movimentos mais bruscos na alta de juros se baseiam em uma corrente de pensamento que divide a incerteza em dois grupos. No primeiro, em que o “Princípio de Brainard” se manteria verdadeiro, a dúvida ficaria sobre qual seria a taxa de juros real neutra de equilíbrio, ou seja, seria uma questão mais estrutural. Já no segundo, estariam aquelas incertezas ligadas ao canal de transmissão do hiato do produto para os níveis inflacionários, tendo, portanto, a ver com a potência da política monetária. 

Outra questão importante a salientar é que a política monetária atua com defasagens, por isso, apesar de desejável, não nos parece ser uma condição sine qua non para a interrupção do processo de alta dos juros que a inflação acumulada em 12 meses esteja em queda. Entretanto, temos boas razões para acreditar que ela esteja quando chegarmos à reunião de junho (marcada para o dia 14), momento no qual o BCB terá que decidir se interrompe ou não o atual ciclo de aperto monetário. 

Pegando o último IPCA divulgado, notamos que, do 1,62% apurado, 0,75 p.p. (46%) se deveu apenas aos grupos Combustíveis (0,51 p.p.) e Alimentos in Natura (0,24 p.p.). Olhando o que deve acontecer com esses grupos daqui para frente, podemos dizer que o pior já passou. No caso dos combustíveis, a não ser que tenhamos a implementação de um embargo à importação do petróleo russo por parte da União Europeia (UE), o preço desta commodity deve oscilar entre USD 100/barril e USD 110/barril, patamar suficiente para que, com o dólar entre R$ 4,70 e R$ 4,80, não corramos o risco de ver novos aumentos nos preços da gasolina e do diesel nas próximas semanas. Além disso, essa pressão dos preços in Natura é totalmente sazonal e vai reverter a partir de maio. 

Para ver o porquê, ao pegarmos os resultados acumulados desse conjunto de produtos nos quatro primeiros meses do ano desde 2000, notamos que nesses 22 anos, em apenas dois (2006 e 2021) não tivemos um resultado positivo. Em média, a inflação acumulada desse grupo é de 13,33% no período. Fazendo o mesmo acompanhamento para os quatro meses subsequentes (a partir de maio), observamos que, também em apenas dois anos, não tivemos deflação acumulada (2004 e 2012) e que esta foi, em média, de 8,00%. Este ano, a considerar a nossa projeção para abril, teremos o quadrimestre mais alto desde 2013, quando, não por coincidência, a apresentadora Ana Maria Braga apareceu em seu programa matutino ostentando um colar de tomates. Portanto, é bastante provável que este grupo de alimentos apresente deflação nos próximos meses, o que terá, além do seu efeito direto sobre o índice geral, um importante efeito colateral positivo. 

A conclusão é que os principais impactos para a inflação de curto prazo já estão bem precificados e que poderemos ter surpresas positivas até a reunião do COPOM de junho. Obviamente que, com uma guerra correndo solta na Europa e a incerteza dos impactos da nova rodada de lockdowns na China sobre as cadeias produtivas, tudo pode mudar de uma hora para outra e o BCB seja impelido a avançar mais no aperto monetário. Entretanto, acreditamos que com a perspectiva mais favorável para a inflação de curto prazo e com a perspectiva de, finalmente, o BC americano remar para o mesmo lado, os juros por aqui poderão ficar em 12,75% a.a. até o final de 2022, começando a ser reduzidos no 2º trimestre do ano que vem, fechando 2023 ao redor de 9,75% a.a.. Mas não há dúvidas de que, se essas projeções forem revisadas, o serão para cima. 

*Por Luis Otavio Leal – economista-chefe do Banco Alfa

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