Leonardo de Moraes
A expressão “viva sua verdade” se tornou palavra fácil em reality shows, redes sociais e conversas de bar. Estamos vivenciando a era dos egos semi-analisados, em que a suposta autoaceitação de erros e virtudes se tornou pedra fundamental para se expressar culturalmente. Essa tendência é ruim? Não. Ainda que pseudo-libertária, querer “ser você mesmo” segue no sentido correto de evolução do tecido social.
Cada um de nós, atentos à verdade dos nossos corações, poderemos trazer luz e clareza – ou somente disrupção – à coletividade e, ao menos, estaremos no campo da verdade e da justiça. Talvez seja o início do fim da hipocrisia social, tão presente em cada ditadura, criada por cada suposto salvador da moral e dos costumes, cujas únicas virtudes sempre foram carisma e oratória, quase nunca elevação espiritual.
Etimologicamente, “hipocrisia” significa a representação de um ator, o fingimento deliberado de uma ficção escondida. Ela reside no ditado “faça o que eu falo, mas não faça o que eu faço”, presente em boa parte das relações familiares, sociais, profissionais e econômicas da humanidade.
Identificamos com clareza a hipocrisia dos líderes de uma nação: incitamento a multidões desavisadas, perseguições a novos pensadores, manipulações dos desejos do povo. Com hipocrisia, presidentes da República transformam seus países na sala de estar de seus preconceitos, engomados como valores tradicionais. A hipocrisia é o véu que leva povos à guerra, incitada por egos tortos. Mas ela também está nos filtros que disfarçam imperfeições físicas, no aplauso à luta por Direitos Ambientais, seguidos do consumo de brinquedos de montar feitos de plástico duro.
É com hipocrisia que bradamos “aceite sua aparência natural”, mas encapamos dentes saudáveis com lâminas – também – de plástico. É com hipocrisia que estofamos nossas relações de mentiras e nossos corpos de plástico, para então bradarmos em reality shows que “vivemos nossa verdade”.
Humanos, somos contraditórios; mas quando negamos nossas inconsistências, nos tornamos também hipócritas. É apenas graças aos humildes, seguros em suas imperfeições, que se formam as correntes de mudança efetiva no mundo.
Você pode se orgulhar de “viver sua verdade” quando enfrenta seus desejos obscuros, suas teimosias e invejas, abraçando suas limitações.
É preciso coragem para aceitar sua própria imagem no espelho e recusar o véu – aliás, o filtro embelezador – da hipocrisia. Só assim as relações sociais poderão ser mais saudáveis, e libertaremos as novas gerações de nossos ciclos de mentiras, competições e guerras.
Mestre em Direito do Estado, professor de Direitos Humanos e tabelião. Nas artes é roteirista, artista visual e autor do romance Tia Beth, sobre as dores e perdas da ditadura militar.