Nelson Kheirallah Filho*
Imagine a seguinte situação: uma determinada família ocupa a totalidade de um imóvel composto por duas casas ligadas estruturalmente uma à outra – também conhecido como casa geminada – de forma que esta construção, embora unida em estrutura, esteja dividida em dois ambientes distintos. Esta hipotética família atua profissionalmente no segmento de refeições sob encomenda, e decidiu montar uma cozinha industrial na metade esquerda do imóvel, reservando a outra metade, a direita, à residência familiar.
Em uma dada noite, por um descuido de um membro da família, a boca do fogão que ocupa a cozinha industrial não é desligada. Por um infortúnio do destino, a chama dali proveniente atinge uma cortina próxima e inicia um incêndio que se alastra pela metade esquerda da casa. Por se tratar de um imóvel geminado, as labaredas encontram seu caminho e atingem a metade direita da casa também. Acordada subitamente pelo odor exalado por conta da propagação do fogo, a família não tem outra opção que não deixar rapidamente a casa em meio à madrugada para evitar situação pior. A velocidade com que o incêndio se espalha e engolfa o local impede a desafortunada família de salvar qualquer bem pessoal.
A família – felizmente – escapa incólume, mas o imóvel é totalmente consumido pelas chamas que se iniciaram na metade operacional da residência. E desta forma, não só o negócio da família foi dizimado pelo incêndio, mas também seu patrimônio que se encontrava na metade residencial (valores em espécie, joias, eletroeletrônicos etc).
A alegoria acima não é gratuita. Ela retrata o modus operandi de muitas das famílias empresárias, independentemente de tamanho, status ou sofisticação. Trata-se de um traço cultural brasileiro. Tal qual a casa geminada – em que operação e família estavam divididas em alas distintas, mas sem que houvesse real divisão estrutural – estas famílias não estabelecem mecanismos adequados de proteção, de forma que os bens que compõe o patrimônio familiar, conquistados às custas de árduo e ininterrupto trabalho ao longo de extensos períodos de tempo, permanecem sob o risco de serem atingidos, de forma imprevista e abrupta, por circunstâncias originadas alhures.
Tal situação, contudo, pode e deve ser evitada. Um planejamento patrimonial bem pensado e executado, conduzidos por profissionais experientes no tema, terá o efeito de mitigar as consequências que possam decorrer dos metafóricos incêndios que, em menor ou maior grau, atingirão nossas vidas.
O planejamento patrimonial nada mais é do que um sistema que promove a racionalidade na gestão do patrimônio de uma pessoa ou de um grupo de pessoas (por exemplo, uma família) através da análise circunstancial e cuidadosa dos ativos (por exemplo, imóveis) e passivos (por exemplo, dívidas) e a consequente implementação de um conjunto de medidas cujo propósito poderá incluir a preservação, promoção e, futuramente, transferência deste patrimônio às gerações futuras.
As possibilidades são várias e perpassam pelos objetivos familiares. A família pode, por exemplo, transferir seus bens para veículos jurídicos criados especialmente para esta finalidade (por exemplo, holdings patrimoniais). Pode criar mecanismos que promovam economia tributária, reduzindo legalmente a carga tributária associada à exploração de seus ativos. Pode decidir antecipar a divisão dos bens através de doações ou criação de estruturas especializadas (por exemplo, trusts). Pode também planejar como a empresa será transferida à próxima geração através da reestruturação societária e elaboração de um adequado acordo de acionistas entre os interessados. Ou pode decidir-se por implementar todas estas alternativas, simultaneamente ou não. Qualquer que seja a situação, o planejamento patrimonial deverá ser pensado tendo em vista as características da família e seus projetos de curto, médio e longo prazo. Não se trata de um produto de prateleira, e sim de uma solução individualizada para cada caso.
Os benefícios associados a um planejamento patrimonial bem executado são inquestionáveis. Trata-se de uma potente ferramenta que não somente assegura tranquilidade no presente ao preservar e potencializar o patrimônio familiar, como também garante segurança e pacificação para o futuro, quando chegada a hora de se transmitir este patrimônio à próxima geração familiar.
*Mestre em Direito Internacional pela Universidade de Nova York, pós-graduado em Contratos Internacionais pela PUC-SP, graduado em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie