e se as palavras acabassem? os pensamentos e a linguagem toda sumissem de repente, como se um vento pudesse carregá-las tão leves como penas? ah das expressões que sentiríamos falta e de tantos sentimentos que não teriam mais nomes. sentiríamos com os olhares mas não teríamos mais os versos ou a voz. tudo seria silenciado. sem as palavras, voltaríamos as músicas clássicas? teríamos algum ritmo sem a cadência das letras saindo em forma de som da nossa própria voz?
imagina o mundo em silêncio. mudo. que lugar triste teríamos a nossa volta. ou será que assim calaríamos a consciência daqueles que se acham arrogantemente acima de todo e qualquer mal? calaríamos os imbecis? também. mas também os poetas, os músicos, os escritores. calaríamos nossos cérebros ou pensaríamos em formas?
eu já pensei o mundo sem cores, mas nunca sem as palavras. ainda que existíssemos. porque seria mais fácil nós, homens de toda sorte, sumirmos e assim levarmos as letras e os dicionários, do que as palavras serem arrancadas de nós como um dente. visceral. brutal.
que poder tem as palavras na nossa vida, a ponto de isso ser algo quase inconcebível? e ainda assim, o quão pouco damos valor a quem escreve, a quem pensa em letras? não valorizamos a cultura e a literatura, mas vivemos disso e afogamos quem vive para isso em um mar de angústias e solidão. sabemos gritar e digitar palavras tão absurdas, mas não sabemos conjugar verbos no pretérito imperfeito. coitada das palavras. coitada da nossa língua ferida, que se afoga em fel ao invés de flutuar em amor.
e se um dia há de sumir as palavras de minha vida, que eu suma também. que meus rastros se apaguem e minha vida seja uma carta em branco, que nunca poderá ser escrita. que eu seja o lápis e minha vida apagada com uma borracha suja. que suma tudo, mas que fique para sempre o borrão da minha existência em textos, em versos e em pensamentos.
enrico pierro