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Campo Grande/MS, 14 de Abril de 2025

Falha no atendimento da Deam pode ter contribuído para feminicídio da jornalista Vanessa Ricarte

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Vanessa Ricarte, jornalista de 42 anos, foi brutalmente assassinada com três facadas no peito pelo ex-noivo, Caio Nascimento, na última quarta-feira (12). Um áudio enviado por ela a um amigo após ser atendida na Deam (Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher) revela que a própria polícia a induziu a retornar ao local onde ocorreu o crime. Vanessa faleceu no Hospital da Santa Casa de Campo Grande após passar por cirurgia. Caio Nascimento está preso.

No áudio de quatro minutos, Vanessa descreve o atendimento na delegacia como frio e desprovido de apoio. Ela relata que a delegada a tratou de forma seca, cortando suas falas e negando acesso ao histórico de agressões de Caio. Apesar de Vanessa expressar medo de voltar para casa, a delegada teria dito: “Então vai para a sua casa, você já avisou ele, manda uma mensagem falando para ele deixar a casa”. Horas depois, ela foi morta.

Vanessa também mencionou que a medida protetiva não pôde ser assinada por falta de um mandado judicial. No áudio, ela expressa desespero e decepção com o atendimento recebido: “Eu estou bem impactada com o atendimento da Casa da Mulher Brasileira. Eu que tenho toda a instrução, escolaridade, fui tratada dessa maneira, imagina uma pessoa, uma mulher vulnerável lá. Essas que vão para a estatística do feminicídio”.

As declarações de Vanessa contrastam com as da delegada titular da Deam, Elaine Benicasa, e sua adjunta, Analu Ferraz, que afirmaram em entrevista coletiva na quinta-feira (13) que ofereceram todo o suporte à vítima, mas ela teria decidido voltar para casa por conta própria. Analu destacou: “Todo agressor de violência doméstica é um potencial feminicida”.

O delegado-geral da Polícia Civil de Mato Grosso do Sul, Lupérsio Degerone Lucio, se manifestou sobre o caso, afirmando que a instituição está do lado das vítimas e familiares. Ele anunciou a abertura de um procedimento para apurar o ocorrido, sob orientação do governador Eduardo Riedel (PSDB) e da Sejusp (Secretaria Estadual de Justiça e Segurança Pública). Lupérsio também mencionou uma reunião para melhorar o atendimento às vítimas de violência doméstica.

No áudio, Vanessa ainda relata que Caio já havia afirmado que só deixaria a casa com a presença da polícia. Ela expressou preocupação com a falta de compreensão da delegada sobre a gravidade da situação: “Eles não entendem né, a dimensão do negócio. Porque ele já tinha falado para mim que só saía de casa com a polícia. Mas de qualquer forma, eu vou ter que ir lá na casa”.

O caso expõe falhas no sistema de proteção às mulheres em situação de violência doméstica, evidenciando a necessidade de aprimoramento no atendimento e na aplicação de medidas protetivas.

Confira a íntegra do áudio de Vanessa Ricarte enviado a um amigo

Não aconteceu nada, porque assim, eu fui falar com a delegada, fui tentar explicar toda a situação e do jeito que ela me tratou também, bem prolixo, sabe? Bem fria, seca e ela toda hora me cortava assim, eu queria entender, quem que é essa pessoa? Vê o histórico da pessoa e falou para mim que não podia passar o histórico dele, mas que eu já sabia, porque ele mesmo tinha falado de agressões.

Aí eu falei: “Não, que eu queria entender a natureza dessas agressões”. Porque ele falou para mim que foi porque a mulher ameaçou a filha dele, enfim. Aí ela falou: “Não, você aí, você não vai falar, eu não vou, não posso te passar isso aí, é sigiloso, sigilo”. Sim, parece que tudo protege o cara, né, o agressor. E aí ainda não foi nem mandado, tem que ter um mandado, né, judicial.

Então, hoje, por exemplo, não tem como ele assinar essa medida protetiva e passou aqui o telefone da oficial de justiça, né? Passou a senha do processo para eu ficar consultando. E do boletim de ocorrência, ela falou que não adianta acrescentar, porque não vai mudar muita coisa, porque já foi para o judiciário.

E ele tá aí me perguntando, se eu falo com você, seu pai conversa comigo, você não conversa nada. Eu falei, mas eu preciso voltar para a minha casa, preciso tomar banho, faz dois dias que eu não tomo banho, troco de roupa. Aí ela ‘então vai para a sua casa, você já avisou ele, manda uma mensagem falando para deixar a casa’. Então assim, eles não entendem né, a dimensão do negócio. Porque ele já tinha falado para mim que só saía de casa com a polícia. Mas de qualquer forma, eu vou ter que ir lá na casa e vou falar com ele isso aí.

Se ele falar que ele não vai sair, aí eu vou ter que acionar a polícia. Aí meus pais estão vindo, já vão brigar comigo, tudo porque [vão] falar que eu fui precipitada, que esse cara depois vai me matar e tal, não tem o que fazer, porque ele só vai preso se tiver flagrante. Por isso que ele não foi preso no caso da Leca, né? Ele fugiu do local do crime. Ele não tinha flagrante, não sei como que esse cara não foi preso depois.

E, eu tô aqui, pensando, raciocinando o que a gente pode fazer. E se for preciso, sei lá, aciona a doutora Cantes para ela acionar o MP, que é através do marido dela. Sei lá. É uma coisa desse sentido, é uma via que eu tenho, né?

E é isso, assim, eu tô bem, bem impactada com o atendimento da Casa da Mulher Brasileira, sabe? Eu que tenho toda a instrução, escolaridade, fui tratada dessa maneira, imagina uma pessoa, uma mulher vulnerável lá, pobrezinha, vamos dizer assim, chegar lá toda vulnerável sem ter uma rede de apoio nenhuma. Chegar lá, essas que são mortas, né?

Essas que vão para estatística do feminicídio. E é isso. Eu tô esgotada mentalmente falando. Perdida, sabe? Tô decepcionada. Aí eu tô me sentindo culpada, porque eu fui registrar o BO hoje de madrugada. Sabe, não briga comigo.

É uma coisa assim que eu fiquei chateada com meu pai falando: “Não, esse cara pode pegar depois, você não sabe o que vai dar e tal, não sei o quê”. Então, eu fazendo ou não fazendo pelo que você disse, né? Eu não fazendo ou fazendo o boletim de ocorrência, ele pode me agredir de qualquer maneira, né?

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