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A seguridade social como política pública de inclusão

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Na biografia de William Henry Beveridge, escrita por Jose Harris, o pai da seguridade é definido como o profeta da revolução social pacífica.

A seguridade social como política pública de inclusão

Seria bem esse o escopo da seguridade social: impor a revolução pacífica. Isto é, a transformação da sociedade desde dentro, mediante verdadeiro projeto de inclusão, no qual ninguém fica para trás.

Para refletir sobre o tema, devemos olhar para o que denega essa proposta: o que é hoje em dia a exclusão e cotejar o dado atual com o relato de Beveridge.

 A exclusão foi retratada no documento: “Social security and allied services” de 1942, mais comumente conhecido como Relatório Beveridge.

Nesse Relatório, a exclusão é representada por cinco gigantes, a saber: a miséria, a doença,  a ignorância, a imundície e a desocupação.

O que é a miséria do mundo?

Miséria é a ausência das mínimas condições de vida. As mínimas condições de vida que foram sintetizadas pelo artigo 25 da Declaração Universal dos Direitos Humanos: toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem-estar. Eis o que deve ser considerado o padrão de vida mínimo: vestuário, alimentação, habitação, cuidados médicos, serviços sociais indispensáveis e o direito &agrave ; seguridade em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice e outros mais. Eis as mínimas condições de vida. Quem não as tem é o miserável, é o indigente. São os milhões e milhões de pobres do mundo, os quais a seguridade social ainda tristemente não atinge e de quem nós, mestres da lei e levitas, fazemos questão de nos afastar, atravessando a calçada para o outro lado da rua.

O primeiro gigante segue assombrando a humanidade do século XXI.

O segundo gigante é a doença. Agora, por exemplo, o mundo vive a provação enorme da pandemia. Poder-se-ia dizer que a Covid-19 revelou a vulnerabilidade de toda a gente. O mundo se viu em total despreparo para enfrentar essa circunstância cuja repercussão atravessará, decerto, todo o século e cujas sequelas se farão sentir por toda a parte.

O terceiro gigante apontado pelo Relatório é a ignorância. Esse mal atinge a imensa maioria das pessoas que são vítimas da mentira, das promessas falazes e da enganação.

Eis, então, que outro gigante nos arrepia. É espantoso que tenhamos sido capazes de chegar ao terceiro milênio e ainda enfrentemos a imundície; a sujidade; a falta de saneamento básico. A Organização Mundial da Saúde e o Fundo das Nações Unidas para a Infância registram que cerca de quatro e meio bilhões de pessoas (!) carecem de saneamento básico seguro e, portanto, vivem na imundície. Que século!  Viver na sujidade retira a dignidade das pessoas.

Surge, enfim, o derradeiro gigante: a desocupação, isto é, o desemprego em massa. A Organização Internacional do Trabalho (OIT), antes mesmo da instauração da pandemia, apurou que o mundo já registrava 220 milhões de desempregados. A OIT utiliza de conceito bastante restrito quando se refere àqueles que já tiveram emprego, no sentido formal. Há outros milhões de milhões que não constam na estatística, porque jamais tiveram acesso a um posto de trabalho, atuando no mercado i nformal. O grande especialista brasileiro, José Pastore, afirma que cerca de quarenta por cento da população economicamente ativa está alocada nesse setor. É a ausência dos direitos sociais básicos.

Portanto, marcam presença, os cinco grandes gigantes: a miséria, a doença, a ignorância, a imundície e a desocupação.

Esta sintética exposição do que seriam os objetivos da seguridade social não objetiva retratar o século em que vivemos. Pois, a Declaração Universal dos Direitos Humanos é documento perene, o único consenso universal a que a humanidade chegou. A Declaração é um não aos males gigantes!

Por vezes nos agrada a longevidade. Comparada a sobrevida média no Brasil dos anos 1960, 62 anos, com a atual, que é de 74 anos, vemos que houve evolução. São mais doze anos de sobrevida média.

No entanto, a longevidade cria impacto expressivo nos custos da seguridade social, cuja mensuração está por se fazer. O fato é que são doze anos a mais de vida, de gastos com previdência, com saúde, com assistência. E, os anos finais, são mais dispendiosos.

Claro que a longevidade é positiva e é devida ao aperfeiçoamento científico. Mas o ônus expressivo que provocará não está sendo devidamente avaliado. O que é previdência? Prever o que ocorrerá.

Advirta-se: a seguridade social não é a única política de inclusão. Se assim fosse, estaria sendo jogado nas costas largas da seguridade social uma carga que incumbe aos próprios Estados e à comunidade internacional enfrentar. A seguridade social é parte da solução dos problemas, mas não é a única solução.

Veja-se, a título exemplificativo, o auxílio emergencial pago a quem ficou sem nada no auge da pandemia: os desamparados que acorreram ao auxílio, foram mais de 60 milhões.

Mas faz falta o programa assistencial perene, ajustado, regulado; pior: nem mesmo um banco de dados idôneo existe para que se saiba quem, onde e em que situação se encontra ao desamparo. Só assim se poderia falar em política de verdadeira inclusão social. Inclusão social consiste em conferir dignidade à pessoa humana, não em simples favor do governante. Quem confere dignidade social é a Declaração Universal dos Direitos Humanos. O pobre tem direito subjetivo ao amparo, não a mero favor.

O sinal de esperança são os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, o salutar programa das Nações Unidas, também conhecido como Agenda 2030. Eis a síntese da pauta da inclusão social em nossos dias.

Quando o tema é desenvolvimento, a referência obrigatória é a bastante conhecida definição de São Paulo VI que, na memorável encíclica “Populorum Progressio”, isto é, desenvolvimento dos povos, de 1967, formula a pergunta “de que desenvolvimento estamos tratando?”

Os economistas cuidam de crescimento econômico. Para eles, o efeito do crescimento econômico é o desenvolvimento. Paulo VI adverte: o verdadeiro desenvolvimento é o do homem todo e de todos os homens. Eis aí o baluarte do século XXI, os objetivos do desenvolvimento sustentável.

Oxalá cheguemos a cumprir a Agenda 2030 como política universal de inclusão social.

Por Wagner Balera – professor titular de Direito Previdenciário e de Direitos Humanos na Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), livre-docente em Direitos Humanos, doutor em Direito das Relações Sociais, autor de mais de 30 livros na área de Direito Previdenciário e de ma is de 20 livros da área de Direitos Humanos e sócio fundador e titular do escritório Balera, Berbel & Mitne Advogados.

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