Antes da Psicologia ensinar que não se educa pelo medo, as mães traziam ao cotidiano das suas criancinhas a amedrontadora personagem do Boi da Cara Preta, que povoava até canções de ninar para que se imprimisse no inconsciente do infante o terror que a figura maligna provocava. Os tempos mudaram e o Boi saiu de circulação por muito tempo.
Eis que de repente, em abril de 2020, o Bumba Meu Boi, do Salles, em chula apresentação, adentra à Praça e traz de volta o medonho personagem, inoculado agora pela cepa mais danosa do SARS-CoV-2, a da ambição desmedida.
Os saloios portugueses tinham sempre um adágio para exemplificar situações: “não há bela sem senão”, diria, meu avô Miguel, ao descobrir que o setor Agro brasileiro só tem reservas de três meses de potássio para fertilizar as lavouras. Gigante com pés de barro, diríamos! Mas, não se preocupe, o leitor! Isso se há de resolver. Se você não percebeu, essa não é a questão, os fertilizantes estão mesmo é sendo usados para “passar uma boiada”. Como era bom quando as vacas entravam nas histórias, dispensando o potássio e produzindo adubo.
Temas de relevância tornam-se abomináveis quando malconduzidos, no afogadilho de passar bois, elefantes, mamutes pelo buraco estreito das agulhas do bom senso. A boiada desta vez é outra, o boiadeiro é outro, os donos da boiada é que são os mesmos.
O regime de urgência para a discussão do projeto que permite o uso das reservas indígenas para usos diversos, como mineração, agricultura, construção de hidroelétricas aprovado esta semana, tendo como razão – discutível – a necessidade da exploração de potássio naquelas terras, é uma das boiadas que atiram, com seu tropel acelerado, poeira na dignidade da consciência nacional.
Penso que assuntos de tal monta, que implicam em 1.173.778 km² (13,8%) do território nacional não se decidem num projeto estudado em regime de urgência. Fico com a ideia de que as vacas estão famintas. Dados do IBGE mostram que no Brasil existem 897 mil indígenas, sendo 517 mil vivendo em áreas reservadas.
Os critérios que levaram à demarcação das reservas foram estabelecidos por especialistas: antropólogos, indigenistas, historiadores e não cabe aqui contestações, apesar do aparente despropositado índice, habitante por área.
O que parece claro, é que o país com seus 217 milhões de habitantes, com suas carências e dificuldades, possa prescindir dos recursos e possibilidades que estão situados dentro dos limites das imensas áreas reservadas aos povos originais. Não apenas reservas minerais, mas potenciais hidrelétricos e de áreas próprias à agricultura. Buscar o melhor para as populações atuais e futuras é o papel insofismável dos que nos governam.
Quando a Constituição de 1988 determinou a demarcação das áreas indígenas não o fez para que essas populações ficassem trancafiadas em museus vivos, disponíveis para estudos de acadêmicos. O que se pretendeu foi que, sem abrir mão da sua cultura, as comunidades pudessem ascender à segurança e aos meios que a cultura moderna disponibiliza. Certamente que não nos cabe lhes impor hábitos ou o que quer que seja, mas devemos lhes proporcionar os meios de acesso à economia, à saúde, ao bem-estar como a qualquer cidadão.
Ao se impedir qualquer exploração econômica em território indígena, estamos abrindo espaço para as atividades ilegais, a começar pela grilagem, pelo desmatamento, pela mineração, como tem ocorrido, sem as restrições e fiscalizações devidas por parte das autoridades, fazendo supor favorecimentos e corrupção.
Temos visto nos últimos meses dificuldades de aprovação de projetos de infraestrutura de transporte – ferrovias e rodovias – por terem que passar por áreas protegidas. O balanceamento adequado das necessidades da preservação da cultura dos povos originais com os imperativos do desenvolvimento é tarefa para especialistas. Aos governantes – executivo e legislativo- deverá caber a escolha entre alternativas, as que se ajustem melhor ao Projeto de Nação que os nossos representantes são incapazes sequer de esboçar, isso sim é prioritário, mas que também deve ser feito com critério, sem Bois da Cara Preta.
Certamente que atividades econômicas moderadas e compatíveis com as finalidades dessas áreas deverão ser permitidas e incentivadas. Primeiro, para que todos nos beneficiemos de um território que historicamente pertence ao nosso país, que o tem mantido à custa de lutas, de tratados conduzidos por nossa diplomacia e pela presença das nossas Forças Armadas.
Na atualidade, queimam-se estátuas, alteram-se nomes de logradouros, nos livros escolares falseiam-se o perfil dos heróis, vulgarizando-os. A questão indigenista não pode ser vista a partir de posições falsamente humanitárias, pretendendo, no presente, remendar o passado, para reescrever a História, como se isso fosse exequível.
Papo furado que só serve, para dar argumento aos que contestam nossa soberania na Amazônia. O que se tem que fazer é dar dignidade aos povos da floresta ao invés de mantê-los miseráveis, vivendo sobre riquezas intocadas – e por vezes, que lhes são roubadas. Com parcimônia, sem nos deixarmos levar pelas “boiadas” que querem pastar, logo amanhã, nos cabe ajudar os povos donos daquelas terras a explorá-las em proveito próprio e para colaborar com o desenvolvimento nacional.
Índios e não índios temos que reagir aos “boiadeiros” da Praça.
Podem crer, O BOI É MANSO!
Por Danilo Sili Borges – Membro da Academia Rotária de Letras do DF. ABROL BRASÍLIA