Está difícil conseguir um alvará da patroa para o happy hour com os amigos? Que tal dizer que vai melhorar sua saúde tomando cerveja? Parece difícil de engolir, certo? Mas, nada melhor que novas descobertas científicas para mudar velhos paradigmas. Isto vale tanto para o Brasil quanto para outros países. Senão vejamos o que ocorreu na Universidade de Rice, no Texas. Tudo começou como uma brincadeira de estudantes universitários que buscavam desculpas originais para dedicar-se ao halterocopismo. Passaram a divulgar no ambiente universitário que estavam desenvolvendo uma cerveja com capacidade de reduzir o risco de surgimento de tumores malignos. Só que a brincadeira virou cobrança e alguns dos estudantes de bioquímica decidiram levar avante o projeto. O empurrão final para a busca de um salto tecnológico foi um concurso universitário para ideias inovativas, envolvendo a biotecnologia.
Resveratrol
O desafio estava em produzir uma cerveja que, efetivamente contivesse uma substância com as propriedades alardeadas. Foram buscar inspiração no paradoxo francês, que explica porque os povos mediterrâneos têm uma dieta com alto teor de gorduras, porém as taxas de acidentes cardiovasculares são muito baixas. A explicação está no fato de que estes povos tem o hábito de alto consumo de vinho, com predileção para o tinto. A presença da substância resveratrol no vinho, especialmente nos tintos, protege o organismo dos efeitos maléficos da gordura, pela sua capacidade antioxidante.
Esse foi o mote para que os cientistas da Universidade de Rice iniciassem estudos para modificar o fermento da cerveja, introduzindo dois conjuntos de genes. O primeiro permitirá à levedura metabolizar açúcares e produzir um intermediário químico. O segundo converterá esse intermediário para resveratrol. Em teoria isto é possível. Se a pesquisa resultar em uma cerveja com alto teor de resveratrol, deverá gerar um grande volume de negócios, pois os americanos consomem 20,5 litros de cerveja per capita, mas apenas 2,5 litros de vinho tinto. Assim o resveratrol poderia advir principalmente da cerveja.
Xanthohumol
Resveratrol não é a única substância presente em bebidas, que beneficia a saúde. Também é encontrado um flavonoide, com propriedades antioxidantes, denominado xanthohumol. Pesquisadores descobriram que essa substância reduz o risco de câncer, de acidentes cardíacos, da ocorrência do Mal de Parkinson e do Mal de Alzheimer. Esse flavonoide chega à cerveja por estar presente no lúpulo, uma plantinha chamada Humulus lupulus, da família das Moráceas. Sabe aquele saborzinho amargo, característico da “birra”? Pois ele vem do lúpulo que, além de conferir sabor, também atua como conservante da cerveja.
Esse arbusto, que há séculos torna suportável o sacrifício de ingerir a cerveja nossa de cada dia, possui um conjunto de substâncias com efeito medicinal. As propriedades terapêuticas do lúpulo incluem um efeito relaxante sobre o sistema nervoso central, sendo largamente utilizado no tratamento da insônia. Diminui a tensão e a ansiedade associadas ao estresse. É utilizado para tratamento de dor de cabeça e indigestão, causadas por tensão. Sendo um relaxante com propriedades adstringentes, tem seu uso recomendado para o tratamento de colites. Úlceras externas podem ser tratadas com aplicações tópicas de lúpulo.
Multiuso
Como carminativo, o lúpulo é utilizado para relaxar a parede intestinal, aliviando cólicas e dores, reduzindo a flatulência e a indisposição intestinal. Essa ação decorre de óleos voláteis presentes no lúpulo, que possuem uma ação anti-inflamatória localizada e efeito antiespasmódico e antibiótico. A ação antiespasmódica do lúpulo foi observada nos sistemas circulatório, respiratório, digestivo, urinário, reprodutivo, nervoso e muscular. O lúpulo também demonstrou ação hipnótica, permitindo um relaxamento e um sono profundo.
As propriedades acima descritas são comuns no grupo dos flavonoides que, juntamente com as flavonas, as catequinas, as antocianinas e as isoflavonas são polifenois, com potente ação antioxidante. Devido a essa propriedade são capazes de neutralizar os radicais livres, impedindo o crescimento de células tumorais, reduzindo o risco de ocorrência de alguns tipos de câncer como de cólon, próstata, mama ou endométrio. Quando há excesso de componentes oxidantes em relação aos antioxidantes, ocorrem danos nas células, que podem resultar em câncer, envelhecimento precoce, aterosclerose, isquemia, inflamações e doenças neurodegenerativas como o Mal de Parkinson ou o Mal de Alzheimer. Os flavonoides compõem o arsenal de defesa antioxidante dos seres vivos, animais ou vegetais. Estudos epidemiológicos comprovaram que a taxa de ataques cardíacos na população é inversamente proporcional à ingestão de flavonoides.
Os flavonoides protegem as células contra o efeito do oxigênio reativo, e ganham importância posto que os ingerimos em quantidades maiores que outros antioxidantes clássicos, como as vitaminas C e E. O Dr. Cristobal Miranda, biologista molecular da Universidade do Oregon, demonstrou experimentalmente o efeito antioxidante do xanthohumol, sendo sua potência seis vezes maior que antioxidantes presentes em frutas cítricas e quatro vezes superior àqueles encontrados na soja. Em teores adequados, evita a oxidação do LDL colesterol, reduzindo acidentes cardíacos e danos ao código genético das células, diminuindo o risco de câncer.
Na pesquisa do Dr. Cristobal, camundongos de laboratório foram alimentados com uma dieta rica em gordura e receberam níveis variados de xantohumol. Comparado aos animais que não receberam esse suplemento, a dose mais alta de xantohumol reduziu o LDL, ou colesterol “ruim”, em 80%; seu nível de insulina em 42%; seu nível de IL-6, um biomarcador de inflamação, em 78%; e o ganho de peso em 22%.
Usamos o exemplo da cerveja, para mostrar que o consumo moderado de alimentos e bebidas, anteriormente tidos como problemáticos, na realidade podem representar um benefício à saúde. A produção de polifenois é controlada por genes específicos. Ferramentas científicas de última geração, como a biotecnologia, permitem oferecer às pessoas substâncias e fatores que diminuem o risco de determinadas doenças. Essas tecnologias podem aumentar os teores de substâncias benéficas em plantas onde já existem, ou fazer com que sejam produzidas em outras plantas onde não existiam – como aquelas de amplo consumo pela população. Quem se interessar em aprofundar-se no tema pode acessar o link http://bitly.ws/qsA8, onde estão reunidos artigos científicos recentes sobre polifenois e saúde humana
Por Décio Luiz Gazzoni – Engenheiro Agrônomo, pesquisador da Embrapa e membro do CCAS (Conselho Científico Agro Sustentável)