Fui morador da Casa do Estudante da ESALQ (Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”), da USP (Universidade de São Paulo) de 1970 a 1973. Cheguei em Piracicaba muito jovem, vindo de Jundiaí, depois Várzea Paulista, morador na Granja Santa Terezinha e procedente de Ginásio e Científico em Escola pública. Não conhecia Piracicaba. Vim fazer o vestibular e, sendo aprovado, tinha que buscar uma moradia. Busquei a Casa do Estudante e fui bem recebido.
Inicialmente, fiquei em um quarto coletivo, aguardando o processo de seleção. Sendo aceito, fui para um “quarto de canto”, sem banheiro. Usava o banheiro do quarto de um “veterano”, que me cedeu a chave. Mais tarde, fui morar no melhor quarto da Casa: no meio do corredor do 3o andar. Os quartos tinham cama, escrivaninha, cadeira e armário embutido. Cada dois quartos, tinha um banheiro de uso comum. E foi neste “novo lar” que estudei, fiz estágios, cursos extracurriculares, etc. Além de formação profissional, proporcionada pelos professores da ESALQ, aprendi muito nesta moradia. Não apenas sobre agronomia, mas sobre a vida. Voltava pouco para casa. Passava muitos finais de semana em Piracicaba, ou ia para casa de colegas, que moravam em diversas cidades.
Éramos em 130 moradores, dos diversos anos do Curso de Engenharia Agronômica. Nesta época a casa era chamada de CEA (Casa do Estudante de Agronomia). Só recebia homens. A partir de 1976, com o início de outros cursos na ESALQ, passou a ser denominada CEU (Casa do Estudante Universitário), nome que permanece até hoje. Passou a aceitar estudantes do sexo feminino a partir de 1979, tornando-se moradia mista. A diversidade, que já era muito grande, ficou ainda mais intensa.
A ESALQ/USP, tradicionalmente conhecida como “Escola Agrícola”, tornou-se uma referência nacional e internacional, desde o início de suas atividades em 1901. Além de atender os estudantes Piracicabanos (‘nativos”), sempre atraiu jovens interessados em agricultura de todo o Brasil e do Exterior. Ao chegarem em Piracicaba, a maioria deixando suas famílias e seus lares pela primeira vez, buscavam uma moradia coletiva, as “Repúblicas”. Estas se transformaram em seus “novos lares”: locais de muito aprendizado, divisão de responsabilidades e fortalecimento de laços de amizades, que se mantem por toda vida!
Graças a iniciativa do CALQ (Centro Acadêmico “Luiz de Queiroz”) desde 1949, e com o apoio do Professor Dr. José Benedito de Camargo, então diretor da ESALQ, o projeto de construção da Casa do Estudante foi executado: em 14 de setembro de 1962, (para estudantes da Escola Agrícola), a maior moradia coletiva de Piracicaba foi inaugurada! Um prédio de três andares: no térreo, salas de leitura, de televisão, de atividades esportivas e culturais, além de espaço para preparar refeições rápidas (durante algum tempo funcionou o “Barbada”, coordenado por colegas que serviam alimentação a baixo custo). Nos três andares superior, 125 quartos, divididos em seis “alas”, cada um deles com um bebedouro de água.
O Professor José Benedito de Camargo, que dá seu nome à Casa do Estudante, não participou da inauguração. Nascido em 26 de outubro de 1911, um Paraibuna – SP, criado em Piracicaba por um tio, faleceu em 18 de outubro de 1960, atropelado por um carro desgovernado em uma avenida em São Paulo – SP. Estava a serviço da ESALQ, buscando recursos para a construção da Casa do Estudante. Estava com apenas 48 anos. Como Diretor da ESALQ/USP, sucedeu o Prof. Dr. Walter Ramos Jardim e foi sucedido pelo Prof. Dr. Hugo de Almeida Leme.
De maneira semelhante a Luiz de Queiroz, não pode ver sua grande obra concluída. Mas está eternizado, sendo atribuído seu nome à moradia estudantil; uma justa homenagem, sendo sempre reverenciado pelos moradores e ex-moradores.
Foi neste espaço físico, que recentemente foi reformado, tornando-se mais confortável e seguro, que os estudantes selecionados desfrutaram e desfrutam de saudável convívio.
Nestes 60 anos, muitas experiências formam vividas por seus ex-moradores e estão sendo vividas pelos atuais moradores, sempre com muita tolerância, fraternidade e liberdade. Pela CEA, posteriormente CEU, passaram pessoas que se transformaram em grandes profissionais, construíram famílias e contribuíram para que o agro brasileiro se transformasse. Fomos protagonistas da maior revolução agrícola tropical do mundo. Deixamos de ser importadores de alimentos e nos tornamos uma potência agrícola e ambiental, fornecendo alimentos, fibras naturais e bioenergia a quase um bilhão de pessoas. O Brasil é, atualmente, reconhecido como um dos maiores produtores e exportadores de produtos agrícolas do mundo.
O agro é fundamental para o PIB do país, para a balança comercial e para a geração de empregos e renda da população.
Muito mais do que um espaço físico, a Casa do Estudante vem proporcionando um ambiente de muita camaradagem, apoio mútuo e crescimento individual. Amizades criadas durante os cursos de graduação na USP/ ESALQ vem se mantendo durante toda a vida, permanecendo até hoje.
Um pouco desta história foi tratada em um livro recém-lançado, de autoria de ex- morador (1967 a 1971), o Eng.o Agro.o Ivan Chaves de Souza: “Contos, Recontos e Vivências” – Casa do Estudante Universitário, CEU – ESALQ/USP. São mais de 350 páginas com a “história não oficial” da CEU. São depoimentos e lembranças de ex-moradores e atuais moradores, incluindo algumas “lendas”.
O principal objetivo do livro foi possibilitar que os moradores da “maior mansão da ESALQ” pudessem “matar a saudade, saboreando alguns dos bons momentos vividos entre tantos colegas, de diferentes origens e culturas”, com amizades consolidadas e que permanecem até hoje!
Em 17 de setembro de 2022, foram realizadas as comemorações dos 60 anos da Casa do Estudante Universitário “Prof. José Benedito de Camargo”: lançamento do livro sobre a CEU no Museu Luiz de Queiroz, sessão solene no Anfiteatro do Pavilhão de Engenharia, descerramento da placa comemorativa na CEU e almoço de confraternização. O evento contou com a participação de um expressivo número de ex-moradores e atuais moradores, diversas autoridades e transporte pelo ônibus que serviu estudantes nas décadas de 1960-1970.
Foi um dia que passou a integrar a história da USP/ESALQ de Piracicaba. Fica registrada a importância de um local que, ao longo dos 60 anos, acolheu e fortaleceu cerca de 2000 moradores, alguns já falecidos, que superaram dificuldades, morando longe de suas famílias, com poucos recursos, mas vivendo alguns dos melhores momentos de suas vidas, com bom desempenho acadêmico e se formando cidadãos importantes para todo Brasil e para o mundo.
Por José Otávio M. Menten, Eng.° Agro.° Professor Sênior USP/ESALQ e Presidente do CCAS (Conselho Científico Agro Sustentável).