Em época de copa do mundo de futebol vale recordar. Em 1970 a seleção brasileira conquistava o tricampeonato mundial de futebol, e havia uma música que iniciava com: “…90 milhões em ação, pra frente Brasil, salve a seleção”. Nessa época, apesar de ser um gigante pela própria natureza, um país continental, o Brasil era um importador de alimentos.
Hoje, o conflito recente da guerra entre Rússia e Ucrânia desbalanceou a cadeia de insumos agrícolas em nível mundial, comprometendo os volumes necessários de grãos e por consequência aumentando seus valores. A segurança alimentar se tornou uma questão de política mundial. Aumentar a produção de alimentos acendeu a luz vermelha de diversos países. Muitos não dispõem do recurso terra para sua produção, outros precisam basicamente aumentar a eficiência do uso do solo e de forma sustentável, o que não é uma tarefa muito simples.
Historicamente, a primeira revolução agrícola incluiu a domesticação de trigo, arroz, gado, galinhas e fermento para pão. A segunda veio com a revolução industrial, a qual possibilitou a mecanização dos serviços de preparo e plantio. E em uma terceira etapa, impulsionada pelo desenvolvimento de fertilizantes, defensivos e cultivos de variedades melhoradas, como as de trigo, muito mais produtivas, a qual se denominou de “revolução verde”. O feito deu ao engenheiro agrônomo Dr. Norman Borlaug, o prêmio Nobel da paz em 1970, a tempo de alimentar uma população humana em expansão. Vivemos tempos de mudanças tão rápidas e constantes que não refletimos muito sobre os significados dos conceitos que, diariamente, afetam nossas vidas.
Os novos agricultores brasileiros começaram a aportar por aqui nos fins dos anos 1800, em virtude da necessidade de substituir a mão de obra escrava após a abolição. Estes imigrantes, eram na sua grande maioria descendentes de europeus, onde aprenderam que para o semeio ou o plantio de uma nova cultura, era necessário o preparo do solo. Este preparo consistia após uma chuva, no verão, em uma aração profunda para revolver e preparar a cama para a semente, para efetuar o plantio. Este preparo consome muito tempo de trabalho, e muitas horas de máquina além de expor o solo ao processo erosivo.
A história nos conta, que no início da década de 60, um produtor rural americano, Harry Young Jr, no estado do Kentucky, fez o primeiro plantio sem cultivar o solo. No Brasil, no início dos anos 70, os técnicos da antiga ICI (Companhia Imperial de Indústria Química do Brasil, hoje Syngenta) trabalhavam em pesquisa, com o herbicida paraquat, na Fazenda Veseroda, em Rolândia, onde desenvolviam os primeiros trabalhos de demonstração e extensão de um novo sistema com agricultores do norte do Paraná. A observação, pelo agricultor Herbert Bartz, das parcelas de plantio sem preparo inicial do solo, com a cultura de trigo instalada em Londrina, em 1971, despertou seu interesse. Em 1972, ele instalou os primeiros cultivos deste novo sistema de plantio na Fazenda Rhenania, de sua propriedade. Assim, iniciavam os primeiros trabalhos de uma forma de plantio sem o preparo inicial do solo, chamado de plantio direto. O preparo do solo é substituído por uma aplicação de herbicidas, que elimina a vegetação presente, formando uma cobertura morta sobre a superfície, onde a nova cultura é semeada. Nesta década, vários novos produtos foram lançados no mercado, entre eles o glifosato, que viriam a facilitar esta operação. Vários anos foram transcorridos desde a primeira experiência na fazenda do Bartz, com muita insistência, muita desistência e muita persistência, até que este novo sistema fosse empregado em larga escala. Este agricultor pioneiro é hoje reconhecido, merecidamente, como o “pai do plantio direto no Brasil”.
O sistema de plantio direto (SPD) está centrado na base tecnológica do não revolvimento do solo (mínima movimentação na linha de plantio), na rotação de culturas e na presença de cobertura morta sobre o solo, que minimiza a erosão e, assim, promove a elevação da produtividade e a sustentabilidade ambiental. Também pode ser definido como um conjunto de práticas agrícolas no qual a semente é colocada em um sulco no solo, se possível com a presença de uma cobertura morta, no qual se utilizam herbicidas para eliminar as plantas daninhas, sem o revolvimento do solo, tornando-o apto à semeadura da nova cultura, minimizando os riscos de erosão. A cobertura permanente do solo por plantas ou resíduos de plantas é considerada um dos fundamentos do SPD, aliás, o que é visto no solo de uma floresta. O manejo sustentável do solo permite uma série de benefícios, entre os quais as manutenções da sua qualidade, dos recursos hídricos, da biodiversidade local, ainda, os ganhos de competitividade, a redução de gastos de tempo de implantação da nova cultura e de horas máquina necessárias. Por dispensarem o preparo prévio do solo, possibilitam novo plantio imediatamente após a colheita da cultura, técnica esta que permite no Brasil tropical, a possibilidade de plantio de duas a três safras por ano na mesma área, o que ficou conhecido, como safra de verão, safrinha e safra de inverno.
No Brasil, é ainda comum se criar polêmica, notadamente contra o agronegócio, como ocorre com os defensivos agrícolas, batizados de ‘veneno’ pelos ativistas ambientais, que desconhecem não só como funciona a cadeia de alimentos, bem como quais os processos são utilizados para a produção abundante que mantém a mesa de todos livre de bactérias nocivas à saúde humana.
Deve ser considerado, que em ambientes tropicais, com altas temperaturas e umidade favorável, como as que ocorrem no nosso país, essas ameaças à agricultura são frequentes e devastadoras. O uso de defensivos propicia maior produtividade por unidade de área, a qual resulta no maior rendimento de uma lavoura. São estes produtos que permitem a implantação e manutenção de sistemas de plantio direto, bem como cultivo de duas a três safras ou ciclos agrícolas por ano. Este sim é um uso inteligente do solo, pois possibilita produzir três vezes na mesma área, dispensando a incorporação de novas áreas.
Poucos países no mundo conseguem fazer esta proeza. Os sistemas de produção conduzidos em plantio direto demandam menos infraestrutura e força de trabalho humano, consomem menos energia fóssil, reduzem a erosão, exigem menores doses de corretivos e fertilizantes e ainda favorecem o manejo integrado de pragas, doenças e plantas daninhas. Por isso, ao mesmo tempo em que propiciam a melhoria da qualidade de solo, água e ar, permite produzir mais e de forma sustentável, dando ao mesmo tempo, segurança alimentar e descarbonização e possibilitam o aumento da renda gerada pela agropecuária, de acordo com levantamento da Embrapa (2020).
Segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), em menos de 30 anos, já, já logo aí, em 2050, a demanda global de alimentos deverá aumentar em 70%. Assim, deve-se deixar de lado o discurso ideológico e reconhecer a realidade da nossa agricultura, eficiente e com respeito ao meio ambiente. Este discurso, irreal, deprecia muito nossa agricultura e o nosso país no cenário mundial. Os agricultores na verdade são heróis anônimos na preservação ambiental, protegendo, em suas propriedades, mais de 20% da área como reserva legal.
Segundo Carvalho (Agroanalys, 2022), “o agro brasileiro, durante longos anos na ideologia reinante de experiências sociais, recebia a constante crítica de não agregar valor nas suas exportações. Exposto à competição, contra protecionismos e subsídios, o agro cresceu, floresceu e dá os frutos que alimentam a complexa economia brasileira. No nosso mundo tropical, é o processo de intensificação dos cultivos que dá o empuxo extraordinário aos ganhos de produtividade e à melhoria da chamada biota (vida) dos solos tropicais e, ao mesmo tempo, é o que permite a recuperação de terras degradadas pelo uso de tecnologia adaptada, a mitigação de emissões de carbono e a geração de emprego e renda descentralizada no Brasil”.
E hoje, com a próxima copa do mundo de futebol para se iniciar, com uma população de 215 milhões, com o uso de uma tecnologia tropical sustentável aqui desenvolvida pela ciência e com o empreendedorismo e a coragem dos produtores rurais em incorporá-la, o Brasil produz alimentos para mais de um bilhão de pessoas, em pouco mais de 10% de seu território. Dentre estas tecnologias, deve se destacar notoriamente a adoção do “Sistema Plantio Direto”, que ultrapassa os 45 milhões de hectares cultivados, colocando o país como um dos campeões de exportações em diversos segmentos da agricultura, para mais de 150 nações. Os produtores brasileiros, apesar dos contratempos com a dificuldade de disponibilizar os insumos básicos e com preços elevados, demonstram, e continuam demonstrando, a contribuição para a segurança alimentar do País. Vale ressaltar que saímos de uma produção de pouco mais de 40 milhões de toneladas em 1970, em uma área de 30 milhões de hectares, para 300 milhões de toneladas em cerca de 75 milhões de hectares plantados nos dias de hoje. Em um mundo com mudanças climáticas e secas extremas ameaçando a segurança alimentar mundial, aqui, no nosso Brasil, foi um grande salto na história da agricultura, em apenas 50 anos.
Por Luiz Lonardoni Foloni, Engenheiro Agrônomo, Mestre em Energia Nuclear na Agricultura, Doutor em Solos e Conselheiro do CCAS (Conselho Científico Agro Sustentável).