Em artigos anteriores (bitly.ws/wuWr) mostramos como obter insumos básicos a partir da soja, e sua utilização no conceito de química verde. Uma vez gerados os insumos básicos, uma infinidade de produtos de consumo pode ser obtida à base de soja. Nesse texto abordaremos os revestimentos e fibras derivados de soja.
Oligômeros à base de soja substituem resinas acrílicas, éster, epóxi e fenol à base de petróleo em aplicações livres de bisfenol, um produto que causa diversos problemas de saúde. A nova tecnologia é facilmente escalável em fábricas já existentes. Os oligômeros proporcionam excelente vida útil quando misturados com resinas ou reticulantes de amina, e são facilmente formulados com solventes e reticulantes para substratos metálicos. Um processo contínuo que sintetiza uma resina de base, composta de farinha de soja, óleo de soja epoxidado e um polímero transportador, reduz os tempos de reação de várias horas para alguns minutos, com diversas aplicações na indústria química.
Uma nova plataforma para vernizes e acabamentos de madeira para interiores/exteriores usa uma formulação de poliuretano à base de soja com alto desempenho, resistência à água e manchas, e com baixas emissões de substâncias voláteis orgânicas (VOCs) – potencialmente perigosas à saúde -, enquanto reduz os custos de matéria-prima. Igualmente, foram desenvolvidos revestimentos e corantes de madeira. Os diluentes reativos produzidos com soja são multifuncionais, atuando como solvente e componente de cura do filme, e reduzem os VOCs na formulação do revestimento.
Já está no mercado um poliol de policarbonato à base de óleo de soja que incorpora CO2 para revestimentos de poliuretano. Uma abordagem inovadora permite associar estruturas antimicrobianas com moléculas de soja, formando poliuretanos, epóxis e acrílicos, que evitam a lixiviação de revestimentos.
Na área de coberturas acrílicas à base de soja foram desenvolvidos revestimentos de grama e substitutos da cera de parafina, usada para revestir caixas de frutas e vegetais na indústria alimentícia. Um processo de crosslink de proteína de soja foi desenvolvido para uso como resina, em compósitos “verdes” reforçados com fibras celulósicas.
Fibras
Está disponível uma tecnologia para extrusão contínua por fusão, a partir de uma resina de polietileno de soja, que produz fibras de 40 micrômetros. A resistência e rigidez da fibra de soja é comparável à de polietileno, porém com custo menor. Há outro processo usando celulose de casca de soja misturada com polietileno ou ácido polilático (PLA) e revestida em torno de fibras de algodão, para produzir fibras comerciais em aplicações que não sejam tecidos. Um dos focos está em aplicações geotêxteis, para prevenir a erosão do solo.
A proteína de soja contém aminoácidos, sendo alguns com cargas positivas e outros negativas, permitindo o uso em aplicações de filtragem de ar e em tecidos especiais. Os estudos mostram que as nanofibras de proteína de soja filtram 100% das bactérias gram-negativas e vírus transportadas pelo ar. Biopolímeros de isolado de proteína de soja/álcool polivinílico (PVA) e isolado de proteína de soja/óxido de polietileno permitem produzir fibras muito finas, nas quais o ar pode ser empurrado à velocidade de 300 metros por segundo. As aplicações para esta tecnologia incluem toalhetes, membranas filtrantes, aplicações biomédicas e geotêxteis.
Por meio de fiação por fusão, usando proteína de soja e PVA, são desenvolvidas fibras para aplicações diversas, além da indústria têxtil. As nanofibras obtidas por eletrofiação com soja/PVA é usada em dispositivos médicos, bandagens e substratos de engenharia de tecidos, substituindo o colágeno obtido de animais.
Uma fibra desenvolvida a partir de óleo de soja com alto teor oleico resultou em um composto de polietileno de peso molecular ultra-alto, aplicado em linhas de amarração marítima e similares. Um produto para acabamento de superfície, à base de proteína de soja, com propriedades antibacterianas, também pode ser usado para obter fibras hidrofóbicas e polímeros (polietileno e polipropileno).
Tecnologia para obtenção de ácido acrílico em hidrogéis, usando farinha de soja, encontra aplicações que diminuem a pegada de carbono renovável, além de permitir a biodegradação do hidrogel.
Verifica-se que a soja está potencialmente presente em seu lar, em seu escritório, nos hospitais, nos subterrâneos, com uma enorme linha de aplicações, substituindo fontes poluentes, como os derivados da petroquímica. Ao pisar em um revestimento de assoalho, ou ao abrir uma porta, lembre-se que, na sua fabricação, a soja pode estar presente.
Por Décio Luiz Gazzoni, engenheiro agrônomo, pesquisador da Embrapa Soja.