Uma das principais recomendações da Organização Mundial de Saúde, no início da pandemia da Covid-19, foi a observância do distanciamento social, como forma de reduzir o risco de contágio pelo vírus. Após algum tempo de atendimento do distanciamento, ocorreu um estresse generalizado na população. Afinal, o homem é um animal social, depende das interações entre indivíduos.
Que tal observarmos o comportamento de um inseto social, a abelha da espécie Apis mellifera, face a um risco à saúde de um indivíduo ou da colônia? Lembrando que uma colmeia de abelhas pode congregar dezenas de milhares de indivíduos em um espaço exíguo, pouco superior a 0,1 m3 – já uma casa média possui em torno de 150 m3, para abrigar, em média, 5-6 pessoas.
Quem se debruçou sobre o tema foi a professora Michelina Pusceddu (Università degli Studi di Sassari – Sardegna, IT) e colegas. Seu estudo, publicado na revista Science Advances em 2021 (bitly.ws/AoKy), atingindo 23.000 downloads em fevereiro de 2023. Para seu estudo, Pusceddu e colegas conduziram dois tipos de experimentos: observações de colônias inteiras, infestadas pelo ácaro Varroa destructor, comparadas com colônias livres do ácaro. Também observaram pequenos grupos de abelhas, marcadas individualmente, infestadas ou livres do ácaro.
O estudo
O tratamento com ácido oxálico garantiu a obtenção de colônias livres de varroa. Estas foram comparadas com colônias infestadas pelo ácaro. A “força” da colônia foi equilibrada em ambos os grupos experimentais removendo quadros de ninhada das colônias mais fortes. Vídeos de observação comportamental foram feitas em todas as colmeias usando câmeras de alta definição, durante três dias consecutivos, com observações de 15 minutos. Foram observados comportamentos como a higiene e a dança, utilizando um favo central e um lateral.
Para as observações comportamentais de indivíduos, as abelhas foram obtidas de colônias livres ou infestadas com varroa, sendo marcados individualmente e colocados em grupos de 12 abelhas em cada gaiola. Para cada bioensaio, os grupos de 12 abelhas livres de varroa foram comparadas com grupos de abelhas onde seis das 12 abelhas estavam parasitadas e as outras seis não estavam. Foram anotadas as frequências de antenação, trofalaxia e o comportamento higiênico, que envolve a remoção física e, muitas vezes, lesões de ácaros parasitas do corpo de abelhas adultas, executada pelo próprio indivíduo ou por operárias companheiras de colônia.
Resultados
Foi observado que as abelhas forrageiras alteraram o local onde realizavam as danças (em círculo ou requebrado), quando infestadas com varroa. Quando as colônias eram livres de varroa, as abelhas forrageiras dançavam em toda a colônia, sem preferência por favos centrais ou laterais. Quando as colônias estavam infestadas com varroa, a dança ocorria com mais frequência nos quadros laterais. De acordo com os autores do estudo, as forrageiras praticaram distanciamento social, evitando área central da colmeia, onde o parasitismo por varroa era mais elevado. Assim procedendo, reduziam o risco de contaminação.
Em relação ao comportamento higiênico, as abelhas mostraram-se mais propensas a expressá-lo no centro das colmeias infestadas com varroa, comparadas com as colmeias livres do ácaro.
Também foram observadas diferenças nas interações sociais nos grupos de abelhas colocadas em gaiolas, com abelhas infestadas por varroa executando maior número de antenações e expressando mais comportamentos higiênicos, em comparação com abelhas livres de varroa.
Os autores do estudo concluem que as abelhas alteram seus comportamentos e práticas, incluindo o distanciamento social, na presença de uma ameaça sanitária, no caso o ácaro varroa. Intuitivamente, as abelhas – um inseto social – buscam afastar-se de indivíduos parasitados pelo ácaro, como forma de evitar a contaminação, o que representa um distanciamento social.
Por Décio Luiz Gazzoni, engenheiro agrônomo, pesquisador da Embrapa Soja e membro do Conselho Agro Sustentável.