As mulheres agredidas pelos companheiros não são as únicas vítimas da violência doméstica de gênero. Muitas vezes, as crianças e os adolescentes da família também se tornam alvos. E mesmo quando não são agredidos diretamente, sofrem com a violência psicológica por viver em um ambiente hostil. De acordo com a gerente do programa de Atenção à Criança e ao Adolescente Vítima de Violência da Fundação para a Infância e Adolescência, a FIA, Danielle Gimenez, as consequências são imediatas.
“O comportamento começa a se modificar. A criança às vezes é muito comunicativa, muito alegre, começa a ficar um pouco mais introvertida, fala menos, às vezes não quer estar naquele ambiente, no caso, em casa, com os pais”.
Salvina de Carvalho sabe bem o que é isso. Ela sofreu agressões físicas e psicológicas em dois relacionamentos. Em um deles, o companheiro chegou a assediar sexualmente as filhas dela, o que trouxe consequências graves. A filha mais velha, por exemplo, não consegue mais dormir com as luzes apagadas.
“Ela tinha medo de dormir no escuro, mesmo quando eu não estava morando mais com ele. Porque ela dormia numa cama na sala, e ele passou a andar pela sala de madrugada. Mesmo depois que eu separei dele, ela tinha medo do escuro, e ela não consegue dormir no escuro até hoje. E a mais nova, ela era muito pequena, eu acho que ela não lembra. Depois disso, ela teve problema de convulsão, com dois aninhos e pouco, passou a ter convulsão, hoje em dia ela toma remédio controlado. Eu não sei se de alguma forma atingiu”.
Uma outra mulher, que prefere não se identificar, conta que a filha começou a desenvolver comportamentos agressivos depois que testemunhou uma violência do próprio pai.
“Eu percebi que o relacionamento dela com os outros foi muito difícil, porque eu percebi que ela ficou de certa forma até agressiva com as pessoas, com reações exacerbadas, algumas que não eram necessárias. Eu senti essa necessidade de autodefesa. Na escola, eu percebi que ela teve, ficou mais dispersa com relação aos estudos”.
Os números mostram que a violência contra a mulher é crescente. De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, em 2022 foram mais de 245 mil casos de agressão registrados, e os feminicídios cresceram 6,1%. O levantamento também registrou alta nos casos de ameaças, assédios e importunação sexual.
E a gerente da FIA, Danielle Gimenez, alerta que as crianças que presenciam de tratamento especial para não reproduzirem esse ciclo na idade adulta.
“Infelizmente, ela acaba normalizando, achando que é natural, e acaba reproduzindo o que ela vivenciou ali. Então, no caso dos meninos, eles acabam sendo agressivos com as suas companheiras, isso porque foram o que aprenderam quando crianças. E a menina acaba às vezes procurando parceiros muito parecidos com os parceiros da mãe. Em lugar de ela achar muito o companheiro agressivo, ela acaba se culpabilizando. ‘Ele fez isso porque eu estava com essa roupa. Ele falou que não era pra eu usar essa roupa e eu usei’.“
A FIA integra a rede de proteção do estado Rio de Janeiro, mas só atua em casos de violência quando é acionada por órgãos como o Conselho Tutelar e o Ministério Público. Casos de violência doméstica e intrafamiliar devem ser denunciados diretamente nas delegacias ou pela Central de Atendimento à Mulher – Disque 180.
Fonte: Radioagência Nacional