Pelas ruas esburacadas da cidade, o poeta, sujeito baixo de barba branca e olhar distante, cantava seus versos pelos ares:
“Cidade doce cidade
Doce vida encontro aqui
Doce sonho de felicidade
Doce, é o sorvete de abacaxi…”
Seus olhos fixam em algum ponto do céu e ele avista algo estranho, algo indescritível que pairava no ar. O poeta se transforma numa estátua, um obelisco da curiosidade, observando o objeto no céu.
As pessoas que passavam no local, encontrando o poeta em tal posição, também olham para o céu e avistam o objeto voador.
Euforia total, as autoridades logo foram contatadas, um tumulto se formou na rua central. A senhora sapiente de cabelos brancos logo propõe sua teoria:
— Esse objeto deve ser uma arma atômica jogada pelos comunistas! Vamos fugir da cidade!
Pânico total. Muitos oravam.
O professor de metafisicoteologicocosmonigologia também relata sua tese:
— Eu proponho que esse objeto deve ser o prelúdio dos fatos reais, que se aglomeraram e agora demonstra o objetivo direto do modo real que devemos agir. Tudo deveria acontecer, está tudo provado.
As pessoas não entendem nada e continuam a rezar.
O objeto descia na direção da cidade numa velocidade incrível, era difícil descrever com palavras a forma correta. O poeta ainda paralisado recita:
“Ó! Vidas inteligentes doutras galáxias;
Não sabeis que para nosso fim ainda é cedo
Esperais que eu vá até a farmácia
Comprar calmantes para meu medo…”
E quanto mais os moradores da cidade ouviam as sábias palavras dos intelectuais, mais se apavoravam, sabiam que seria o fim do mundo. Uma arma atômica, uma invasão extraterrena! Muitas famílias juntaram um pouco dos pertences e fugiram da cidade, outras se trancaram nas casas, escondendo debaixo das camas. Outros aproveitaram seus últimos momentos de vida e tiraram o atraso em suas farrinhas sem-vergonhosas. Contudo, o poeta permanecia parado, olhando e formulando poemas para o objeto voador que estava quase aterrissando.
As pessoas desesperadas, o tumulto, a euforia, as farras, os gritos…
Numa fração de segundos, o objeto finalmente cai…
Na cabeça do poeta:
Plosh!!!
Apenas algumas palavras do poeta acabaram de vez com tanto mistério:
“O objeto que vem do céu, não é arma nuclear
Não é ameaça que vem do norte ou do sul
Não é algo que não se possa identificar
O objeto que vem do céu…
É cocô de urubu”.
Por Rodrigo Alves de Carvalho – Jornalista, escritor e poeta.