11/02/2016 08h46
E eu aprendi que algumas pessoas transformam-se em palestrantes para não revelarem nada sobre si
Vívian Antunes
Conheci um moço dia desses que, apesar de ser muito bom de conversa, ninguém sabe nada
sobre a sua vida.
Antônio. Vamos batizá-lo assim.
Passei alguns meses almoçando com Antônio todos os dias.
Os horários coincidiam e sempre, quando eu e meus amigos chegávamos ao elevador, lá
estava ele, esperando o meio de transporte para ir almoçar.
Descíamos e almoçávamos juntos.
Fui observando que ele conversava de verdade em duas situações: quando a pauta era sobre
os avanços da ciência ou quando alguém discordava do seu ponto de vista. Caso ocorresse
uma delas, o moço transformava-se em palestrante.
E aí, misericórdia!
Como falava, gesticulava, argumentava! Dava gosto de ver.
Assim, nas primeiras vezes, porque, com o passar do tempo, cada vez que ele começava a
palestrar dava vontade de levantar, abandonar o prato e sair correndo.
Até que um dia, enquanto ele falava desliguei meu ouvido e comecei a pensar naquela criatura
que me era tão desconhecida.
Antônio almoçava comigo há meses e eu não sabia absolutamente nada sobre ele. Era até
difícil de acreditar, como alguém tão falante não revela nada sobre si.
Aproveitando a empolgação da palestra e que a plateia estava do lado oposto ao meu na
mesa, fui fazer uma investigação rápida:
“André, você sabe onde o Antônio mora? Sabe quem é ele?”
“Não sei, ele nunca comentou.”
“E sabe se ele é casado, têm filhos, essas coisas?”
“Sei não. Ele nunca disse se tem família. Aliás, não sei nada dele. O Antônio só conversa
assuntos relacionados ao trabalho e nada mais.”
Fiquei perturbada. Onde já se viu? Almoçar com o cara tanto tempo e não saber nem o estado
civil do moço?
Não resisti:
“Antônio, posso te fazer uma pergunta? Assim, não tem nada há ver com o assunto que vocês
estão falando.”
Ele, com a maior naturalidade:
“Claro que pode.”
E eu, sem qualquer cerimônia:
“Nós já almoçamos juntos há algum tempo e você nunca falou nada sobre sua esposa, filhos…”
Ele me olhou com a cara de quem tinha visto um fantasma. Visivelmente incomodado
procurou o guardanapo mais próximo, limpou a boca e respondeu secamente:
“Sou solteiro, não tenho filhos.”
Eu, com a curiosidade maior que meu juízo, prossegui:
“Mas assim, você mora sozinho aqui na cidade?”
Ele afastou o prato, ajeitou a gravata, levantou e disparou:
“Minha roupa está amarrotada? Estou mal cheiroso? Pelo que eu posso observar e sentir,
não!”
Falou visivelmente irritado enquanto se cheirava.
Antes que eu pudesse esboçar qualquer reação continuou:
“Já fiz alguma pergunta sobre sua vida particular?”
Eu, mais assustada que cachorro quando cai da mudança, respondi rapidamente enquanto
procurava um lugar onde pudesse me enfiar:
“Não, Antônio. Claro que não!”
Ele, com pressa em terminar o assunto sentenciou:
“Então, por gentileza, esqueça a minha vida, que ela está sendo muito bem cuidada.”
Com essas palavras, deu as costas à sua refeição e a todos nós, e foi embora.
Eu fiquei tão assustada, mas tão assustada, que nem sei como terminei aquela refeição.
O Antônio nunca mais almoçou com a gente.
Comigo ele nunca mais disse sequer “Olá”.
E eu aprendi que algumas pessoas transformam-se em palestrantes para não revelarem nada
sobre si.
Por isso, agora, pergunto só mesmo que horas são e nada mais